TRANSMONTAR

Dissertações sobre Trás-os-Montes, seu passado, presente e futuro. Idiossincrasia transmontana e visão do mundo a partir deste torrão.

29 julho 2003

Agencia de envolvimento de Tras-os-Montes

Agência de (Des)envolvimento de Trás-os-Montes

Rei morto, rei posto! Enquanto a enésima agência para o desenvolvimento de Trás-os-Montes e Alto Douro, a malograda SPIDOURO, se debate, num último sopro de vida, entre a busca de um redentor tardio (será que esta nova iniciativa tem, também, o objectivo de precipitar o funeral definitivo daquela?) e a morte anunciada por exéquias ao morto-vivo, eis que alguns parentes se lançaram num frenesim, que por cá lhes é desde há muito reconhecido, de lançamento da enésima+1 iniciativa. E lá foram apregoando as virtudes do empreendimento: associação sem fins lucrativos com o objectivo de revolucionar a região, do turismo à agricultura, do ambiente à economia digital, etc e tal.
Tomáramos nós, transmontanos prudentes, que todo este entusiasmo febril, conduzido e renovado pela linhagem do costume, frutificasse, mas, infelizmente e em nome da perspectiva histórica, temos de confessar o pessimismo que de nós se apodera nesta hora, e que nos leva a não esperarmos mais que o resultado da última cruzada pelo desenvolvimento já a finar-se. Pois se o arranque nos aparece como se se tratasse de um salto de naufrago para bóia à deriva, como achá-lo auspicioso?
Para se atingir utilidade em acto para os nossos deleites e devaneios intelectuais de cigarra, mais ou menos megalómanos, mais ou menos idealistas, temos de cultivar o trabalho perseverante, o espírito de sacrifício e de sofrimento da formiga, sem os quais as nossas iniciativas diletantes não granjeiam mais que desconfiança. Só a combatividade de formiga consegue provocar a adesão, o respeito e o entusiasmo de estruturas sociais mais vastas que o núcleo restrito dos nossos amigos, familiares e cúmplices.
O próximo passo, apressado, dos promotores dirigir-se-à na direcção da API do Dr. Cadilhe, no sentido de se perfilarem como parceiros para a exaltante empreitada de desenvolvimento e promoção turística do Douro, na qual, até agora, acreditamos. Espero que o cartão de visitas a exibir refira os relevantes serviços e as iniciativas de sucesso de que são credores estes promotores e que tanto contribuíram para guindar a região aos elevados patamares de desenvolvimento que conhece. Talvez assim, o público erário escape a nova delapidação - mal recomposto que ainda se encontra das contribuições perdidas com que criou e manteve a antecessora - que certos cantares de sereia sempre conseguem de responsáveis mais sensíveis aos seus encantos.

BREVES

BREVES

Casa do Douro: sequela
Em , escrevi que quando a decadência atinge o âmago das nossas instituições de referência, todos actos aparecem como que sintonizados com as malévolas intenções do agente viral que lhes provocará o colapso que esta fase terminal preanuncia. Não há nada a fazer, o organismo e o seu sistema de governo central já não detêm o controlo da situação, nem as suas ordens são obedecidas, sendo caótica a interacção funcional. É a morte que se anuncia e se cumprirá inexoravelmente. Escrevi, em 2 de Julho, a pensar neste desfecho, que assumem protagonismo patético figuras pardas que outra coisa não fazem que reivindicar e protestar em nome de assembleias de desvalidos e descrentes, que os não apoiam já e lhes reconhecem, se perguntados, as incompetências, quando não os aproveitamentos em benefício próprio da posição que aqueles temem perder.
Ao conhecer-se, esta semana, o desfecho da reunião entre a Casa do Douro (CD), em representação dos viticultores, e a AEVP, em nome dos comerciantes exportadores de vinho do Porto, da qual resultou a fixação da quota de produção daquele néctar para a próxima colheita, ficamos diante de mais um acto substantivo do ponto de vista da confirmação da tese que sustento acima.
A redução drástica verificada, no montante de 27 100 pipas, foi defendida, naquele conclave, pela CD, a mesma que escreveu, de seguida, aos viticultores - que, alegadamente, representa - numa tentativa ardilosa de desviar responsabilidades suas para o seu adversário (que, por sinal, apresentara uma proposta menos penalizante).
A táctica empregue de tentar explicar o inexplicável - por que é que os representantes da lavoura duriense se propõem limitar, artificialmente, o quantitativo de mostos a vinificar para vinho do Porto, libertando uma percentagem maior deles para a produção de vinho de mesa, menos remunerado pelo mercado, reduzindo os rendimentos esperados aos seus associados - a não ser suicida, tem de estar ao serviço de uma estratégia oculta.
A CD não está preocupada com a produção, nem com os dramas anónimos dos lavradores que a sustentam. A sua única preocupação são os stocks acumulados, resultantes de uma lógica obsoleta de correcção do mercado, cujos fins acabam por ser opostos aos que visava obter. É por isso que os apresenta aos exportadores como moeda de troca da negociata do benefício que propôs e não foi aceite.
O artifício da redução da oferta por decreto procura provocar o escoamento dos stocks em posse da CD (o ganhos alcançados na sua constituição são delapidados pela sua alienação; os stocks são, hoje, o ladrão da lavoura; a sua alienação inoportuna deveria esperar anos magros de colheita), mas, sobretudo, os das cooperativas, grandes devedores dos viticultores e alfobre de dirigentes da própria CD, casas para onde estes voltarão, mais dia menos dia.
Dizer que se está a trabalhar para conseguir rendimento acrescido para os produtores é uma falácia. Se se verificar insuficiente satisfação da procura pela colheita deste ano, logo se accionarão as ditas reservas para equilibrar a balança. Autoremunera-se a estrutura e a sua ineficiência histórica. E o pequeno agricultor a ver rabelos... Do mal, o menos! Sempre "lucrará" com a medida pelo efeito indirecto de cobrar dívidas de quem não lhe pagou colheitas antigas (os tais que, agora, procuram valorizar a "fazenda"), embora sem juros, nem compensações por mais-valias eventuais. Que tipo de serviço à produção é este?
Ficámos, igualmente, a saber que o decreto olímpico, imperial, salomónico contemplava, ainda, uma limitação cega, indiscriminada da licença de produção de vinho do Porto, sem se ater às epecificidades de escalão qualitativo. As vinhas da região demarcada estão classificadas segundo critérios de qualidade que tomam em conta a sua localização. Foi tornado público que o remanescente não comercializado em anos anteriores pertencia a vinhas de qualidade inferior, sendo que os classe A não satisfizeram a procura e, por isso, não mereciam cortes de benefício. Mais uma distorção administrativa do mercado que não leva em linha de conta o primado da procura e da satisfação do consumidor e com tão fortes implicações no futuro do negócio. Quantos destes atentados se cometeram no passado e qual o seu impacto na economia do país? Que tipo de consciência patriótica é esta?
Estamos ou não a caminho do fim?

Universidade de Bragança: sequela 3
Partiram de Bragança uns excursionistas com destino a Lisboa, no intuito de pressionar o Ministério do Ensino Superior a definir-se quanto à futura universidade daquela cidade.
Não conhecemos os argumentos de pressão empregues, nem se o senhor ministro, coagido pela riqueza gastronómica dos farnéis, teve de empregar parte ou toda a sua imaginação e capacidade negocial para levar os romeiros a aceitarem o compromisso de uma resposta definitiva para daqui a um ano.
Consta que a comitiva vitoriosa teve direito a banda de música na recepção apoteótica preparada pelos milhares de bragançanos suspensos da confirmação de tal opção governativa de que dependem os seus destinos.
Não se intimide, senhor ministro! O presunto não está ameaçado. Decida em consciência, livre e racionalmente. É o que se lhe exige.

27 julho 2003

Mirandela: a PSP de saida

Mirandela: a PSP de saída?

A imprensa noticiou que a concelhia de Mirandela do PCP se avistou com o senhor governador civil de Bragança para, formalmente, lhe manifestar a sua preocupação pelo facto de o governo se preparar para retirar a PSP da cidade rainha do Tua.
Os comunistas mirandelenses, invocando que a razão que justifica a retirada - habitam, regularmente, a localidade menos de onze mil pessoas, abaixo do limiar de quinze mil estabelecido superiormente - não se aplica porque "15 mil pessoas no litoral não é a mesma coisa que 15 mil pessoas no interior" (sic).
Esta tomada de posição partidária obriga o leitor mais exigente a um esforço heurístico de interpretação que poderá passar pelo aprofundamento metodológico das seguintes hipóteses:
A) A matriz climática continental da nossa terra, responsável por tórridos estios, provoca sobre os corpos o efeito físico da dilatação e este o fenómeno responsável por aquela asserção. De facto, 15 mil dilatados transmontanos serão causa de perturbações da ordem pública diversas das provocadas por igual número de banhistas mirrados. Admite-se assistir à revisão desta posição comunista no próximo inverno;
B) A aritmética estatística aceita por boa a contagem das populações pelo número de cabeças que as compõem. Exibirão os transmontanos, por comparação com os cidadãos do litoral, uma desproporção de troncos e/ou membros para igual número de crânios, resultado de um desastre genético, até agora desconhecido e inexplicável, a justificar reforçado acompanhamento policial?
C) Teremos, por aqui, mais carros por cabeça ou conduzirá cada transmontano, simultaneamente, mais do que uma viatura, provocando congestionamentos de tráfego tais e sem paralelo que fundamentem a exigência de uma discriminação positiva do interior?
D) Será, antes, razoável aceitar esta declaração como uma confissão, implícita, do grau de perigosidade ou de um invulgar potencial de superior criminalidade que deva ser assumido e reprimido?
Como receptor da reclamação dos comunistas do concelho de Mirandela, envolta em fenómenos esotéricos (coitado do Entroncamento!), como vimos, o senhor governador civil entrou no jogo da demagogia e não hesitou em exibir, publicamente, a sua oposição a uma orientação genérica e objectiva que condiciona a decisão do governo que o investiu e de quem é representante. Ficamos, por ele, a saber que em Mirandela se concentra - aos fins-de-semana, todos os fins-de-semana, de verão e de inverno, faça sol ou chuva, neve ou geada - cerca de 10% de toda a população transmontana; ou que cada mirandelense, crianças incluídas, convida, naquele período, quatro familiares ou amigos para sua casa (já que a inústria hoteleira local não tem capacidade de resposta); ou que, naquele momento da semana, repetido cinquenta e duas vezes por ano, tem lugar a usual romaria de devotos de santo ignoto.
Eis, portugueses, uma cidade do interior esquecido que, de acordo com a autoridade máxima distrital, aos sábados e domingos, todos os do ano da graça, vê quintuplicar a população residente. Justifica-se a esquadra para ordenar este balão caprichoso? Claro que sim. E justifica-se ainda mais, como não me cansarei de repetir, a figura e a função de governador civil.
Tudo demagogia, só demagogia politiqueira barata, populismo e serviço sindical ao serviço de uma causa corporativa fardada ou mercantil.
Estou cansado de assistir a estas lutas mesquinhas, miudinhas por coisa nenhuma. Persistimos em procurar discriminação positiva à custa de argumentos menores, em vez de procurarmos concentrar-nos, apenas, no que é essencial para vencer a dura batalha da recuperação do proverbial atraso. Há-de estar estudado, objectivamente, o rácio de polícias por habitante. Aplique-se! Há-de faltar tanta coisa que possamos fazer por nós antes de reclamar-mos de outras instâncias... Uma dessas coisas há-de ser elevarmos a qualidade da nossa função intelectual; outra será impedir que gente sem um elevado padrão intelectual, técnico e profissional nos represente ou implique; ainda outra, desejável, implicaria desenvolver capacidade de atracção de quadros e de rivalizar com outras regiões na captação de intenções de investimento.
Não me conformo com a realidade que passa diante dos meus olhos, feita de mediocridade, pequenez intelectual, inveja, compadrio, sem visão e sem projecto para definir o seu papel de dignidade e protagonismo na elite e na vanguarda do concerto das regiões que tecem Portugal e constróem a Europa. Se quero dar o meu contributo, tenho de meter as mãos na merda que é a actualidade da minha terra. Tenho que ajudar a destruir o quadro mental da elite dirigente: social, política e religiosa; denunciar a falta de qualidade da sua acção, a sua demagogia e o seu cálculo político, a sua arrogância e o seu desprezo pelo verdadeiro progresso e bem-estar colectivo. Devo estoirar as grilhetas da menoridade da nossa opinião pública, reclamar o contributo cívico dos nossos irmãos emigrados, interna e externamente, mas apenas daqueles que do fatalismo se libertaram e são hoje respeitados pela excelência da sua intervenção académica, profissional ou empresarial em nome da salvação da nossa região e do país.

Aerodromo de Braganca

Aeródromo de Bragança

Foi notícia, esta semana, a inauguração da capacidade operacional noturna do aeródromo de Bragança.
Regozijemo-nos. É vantajoso para a região que equipamento instalado há já certo tempo deixe a inactividade e passe a estar disponível e útil; é com gosto que se regista a declaração do autarca local, cônscio da utilidade daquela estrutura no âmbito dos programas de desenvolvimento regional; justifica-se, numa lógica de ocultação da excentricidade daquele burgo, que o considere central relativamente a uma área que englobe Valladolid, Zamora e, quiçá, Ourense, mas não poderá deixar de se considerar periférico quer em relação à região transmontana, quer, especificamente, à região duriense, cujo plano de desenvolvimento e seu debate é, hoje, actual. Para além do mais, as acessibilidades já disponíveis tornam mais fácil chegar de uma posição mais nuclear até Bragança, que daqui até à parte sul e sudeste do distrito.
Continua, por isso, por razões de operacionalidade, viabilidade e racionalização de meios e apesar da relevância reconhecida aquele activo, a justificar-se a aposta numa estrutura, de preferência baseada noutra preexistente, mais geoestratégica, concentrando nela um esforço de investimento suficiente para dotar a província de Trás-os-Montes e Alto Douro de um equipamento aeroportuário eficaz do ponto de vista do desenvolvimento.
Impõe-se uma decisão sobre opções desta natureza e para este fim. Urgentemente! Estimo que, depois da notícia dos melhoramentos no aeródromo bragançano, se assista a uma corrida ao trofeu de melhor campo de aviação regional, ajardinado e livre de galináceos e parrecos do Toninho dos mesmos, numa espiral despesista de benefício mínimo.
À atenção de Sua Excelência o Senhor Ministro das Obras Públicas.

22 julho 2003

uma Reforma Administrativa

Contribuição para uma Reforma Administrativa - I Parte

A regionalização, proposta e referendada em tempos, não vingou porque os seus mentores não conseguiram descolá-la da ideia de "venda a retalho" da nação e permitiram que a víssemos como um colossal e injustificado alargamento do quadro de pessoal político e o correlativo peso acrescido na despesa pública. Como explicar que o governo da república responsabilize, ao nível político, duas ou três dezenas de cidadãos e a administração regional passe a implicar eleitos aos milhares?
Mas nem por isso perdeu actualidade e pertinência a necessidade de uma reforma administrativa, até pelas tentativas recentes de ultrapassar os bloqueios de integração e complementaridade dos vários níveis da estrutura orgânica do estado. Estas são a prova da desconfiança inconfessada no sistema municipal por parte da administração central. Só o prestígio inatacável de que este goza ao nível da intelectualidade dominante, já não acompanhada pelo cidadão comum que o "dessacralizou" há muito, provoca e justifica o pudor do estado central na admissão da falência do municipalismo, mitigando este reconhecimento com a admissão de uma etapa prévia de coabitação entre o regime caduco e o devir. Aquele pensamento hegemónico funda na tradição a ideia imutabilidade do municipalismo português, em vez de curar de avaliar a qualidade da resposta deste aos problemas sociais e económicos hodiernos. Depois, esta posição arrogante impede-o de ser consequente, apoiando, igualmente sem reflexão crítica, outras tradições que passa a apodar, correcta e incoerentemente, de selváticas e de manifestações de atraso civilizacional. E como compreender, igualmente, que não vejamos esta corrente impetuosa em apoio entusiasta aos actos melodramáticos recentes de criação de novos municípios a la carte e aos agitadores das emancipações paroquiais que cavalgam a mesma esteira - quem diria?- da tradição? Se o sistema é bom e responde adequadamente, não há-de ser má a sua reprodução continuada e assistida. E todos poderão beneficiar, ainda mais, do contacto cada vez mais íntimo e próximo com esta realidade. Saia mais um município para o meu quintal!
Vivemos, ainda, um tempo em que o sacrossanto municipalismo aparece, no plano da luta política, com a força e infalibilidade de dogma; aos meus olhos, como um fatalismo que, embora me não "congele" o pensamento, me arrefece o optimismo e a esperança. Discute-se, hoje, a democracia e o seu "aprofundamento" (que pode ler-se como sinónimo de substituição), como, no passado, se debateu o regime monárquico e a sua extinção e, mais recentemente, se adoptou, sem discussão pública, a regionalização insular. Tudo isto num ambiente de tolerância e sem lançamento de anátemas. Já a reforma do municipalismo, proposta nos termos em que o faço, não poderá deixar de ser tomada por heresia e de carregar com todo o tipo de vitupérios aos quais sobreviverei pela feliz coincidência de ser já defunta a Inquisição.
Pôr em causa o municipalismo na sua versão contemporânea, essa perene aquisição da humanidade, esse cristalizado avanço civilizacional, essa fossilização constitucional, pode ser façanha quixotesca. Homenagem seja prestada ao poderoso lobby da Associação Nacional de Municípios Portugueses (curiosidade: alguém me sabe informar qual o teor da tomada de posição da ANMP, no contexto do embuste da criação de novos municípios? Terá alinhado por uma posição solidária para com os seus filiados, Nelas e Ourém?) e à sua estratégia clara e continuada, oportunista e chantagista, apesar dos percalços cada vez mais frequentes e estridentes. Para estes sentencio: Rua(s)!
Apesar de tudo, após a tomada de posse do actual governo, tornou-se cada vez mais nítida a deriva verificada no relacionamento institucional, que evoluiu dos municípios para outras estruturas administrativas supramunicipais. Depois do III Congresso de Trás-os-Montes, os recentemente substituídos titulares das pastas das Cidades e das Obras Públicas ainda ensaiaram o diálogo com a Associação de Municípios do Nordeste Transmontano, com quem pretenderam discutir um plano integrado de desenvolvimento regional.
A 13 de Maio do corrente ano a orientação da administração central sofreu nova inflexão com a publicação das Leis nº 10 e nº 11 (regulam o regime de criação das áreas metropolitanas e das comunidades intermunicipais, respectivamente). O objectivo consistia em superar o impasse que se traduzia na impossibilidade prática de contratualizar estratégias de desenvolvimento aplicáveis a uma placa territorial contínua, representada por estruturas administrativas fragmentárias, muitas vezes concorrenciais, incapazes de abdicar dos seus interesses particulares em nome de uma concertação estratégica que vise o desenvolvimento integrado da unidade territorial, embora cobertas por legitimidade democrática. A operacionalidade do novo enquadramento administrativo tem as suas virtudes e limites bem ilustrados pela recente declaração proferida pelo Dr. Fernando Ruas, presidente da Câmara de Viseu e presidente da ANMP: as "áreas metropolitanas existentes eram impostas, mas agora têm de ser aceites pelos autarcas"(sic). Terá de admitir-se, por ser verdade, que a mesma capitulação se acha consagrada no quadro normativo da criação das comunidades intermunicipais, instâncias cujos critérios de constituição se verificam na nossa região. Ou seja, depois de esgotada uma limitação temporal inicial, só existirão se e enquanto for desejo daqueles. Os fundadores não estão vinculados à sua constituição, nem estes órgãos terão estabilidade bastante para assumirem estatuto de superestrutura executiva regional.
Podemos perguntar-nos: o que trouxeram de inovador e o que prometem estes novos nós de interacção com o governo central? Estão dotados de legitimidade democrática directa? Não. São de constituição compulsiva? Não. Tomam ou esvaziam os municípios, as Associações de Municípios e as CCDRs de algumas das suas competências? Não. Tem competência executiva para fixar um programa de governo e um orçamento regionais; e são as autarquias reconduzidas a um papel de aplicação local da parte desse programa e orçamento que lhes é fixada, convertendo-se o presidente da câmara em administrador-delegado? Não. Fica implícita a resposta à primeira destas questões.
Repete-se o constrangimento com instâncias superiores de planificação, as CCR, dotadas do know-how necessário à planificação e articulação de programas, mas a que falta aquele requisito de legitimação que potencia a adesão voluntária aos desígnios propostos e permite o escrutínio da sua acção.
A reformulação orgânica das CCR, que parece não ter ido muito além da actualização da designação (CCDR), coeva da criação das novas instâncias de poder referidas, de parceria com as velhas conhecidas Associações de Municípios e estes propriamente ditos, formam uma complexa teia de competências e atribuições partilhadas, comuns, sobrepostas, duplicadas, indiferenciadas, constituindo uma imensa mancha cinzenta de disputas permanentes e rigidez burocrática asfixiante. Quando o quadro de competências de uma estrutura é secante com o de outra de grau superior ou inferior e quando os mesmos agentes têm reserva de assento em todas, o que se pode esperar desta conflitualidade de papeis? A ingovernabilidade regional está instalada e, com ela, a ineficácia da acção política.
Precisamos de uma revolução administrativa. Precisamos de simplificar a estrutura actual em que vigora uma complexa e ineficiente arquitectura de organismos.

Agradecimento

Agradecimento

Em Outo, eu colhi uma referência elogiosa para as reflexões que venho produzindo. É sempre gratificante tomar conhecimento do impacto positivo das nossas iniciativas, mormente quando esse reconhecimento provêm de alguém que nos habituamos a respeitar e admirar. É admiração e respeito crescentes que venho cultivando (e transmitindo) pelo senhor Carlos Vaz Marques. Bem haja!

20 julho 2003

A Hora das Liderancas

A Hora das Lideranças (actualização)
Já depois de reflectir sobre o programa de desenvolvimento que se anuncia para o Douro, bem como sobre as reacções das entidades locais que manifestaram a sua surpresa e desencanto pelo modus operandi governamental, designadamente a AMTAD e as regiões de turismo, tomei conhecimento da autoria do estudo e da proposta tornada pública na semana passada.
Ao assumir-se como responsável pela elaboração deste dossier, por encomenda do governo, em coluna com a sua assinatura publicada no Diário Económico desta semana, a Deloitte & Touche confirmou, como outros o haviam admitido antes, a mudança de paradigma e método de formulação de soluções para a reforma do estado e para a alteração do modelo de desenvolvimento do país.
Estas mudanças introduzem um conceito de empresariarização da actuação do estado, por via da adopção de modelos de gestão preconizados por consultores externos (outsourcing), que diagnosticam os constrangimentos e apresentam modelos de superação do proverbial atraso português nos quais se apoiam decisões políticas racionais que operacionalizam as reformas prometidas.
Esta moderna conduta política, que parece constituir prática generalizada de todos os departamentos da administração central, caracteriza-se, metodologicamente, pelo desprezo da competência técnica endógena, inimiga da mudança, desmotivada por falta de estímulos e desafios mobilizadores que a condição de progressão pelo mérito poderia alterar.
A utilização de expedientes empresariais na área governativa - também defendida por personalidades tão insuspeitas como o ex-vice-presidente e candidato vencido à Casa Branca, o democrata Al Gore, de que é exemplo o recurso a assessoria externa não vinculada a tradições, vícios e direitos adquiridos e nem enquadrada por grupos de pressão que lhe limitem a liberdade de julgamento e lhe desvirtue o alcance das propostas, até por força da sua matriz multinacional - visa uma aposta em soluções imaginativas e criativas para a resolução de problemas e a eficiência da acção política. Esta, que no âmbito da empresa tem tradução prática no respeito pelo accionista, na esfera do estado, concretiza-se no apreço pelo contribuinte e pelo seu investimento financeiro e de confiança naquela.
O distanciamento crítico, desapaixonado e a objectividade racional que está em causa nesta estratégia de investimento a desenvolver no Douro, não podia deixar de incomodar os protagonistas locais do costume.
Este exercício de liberdade e legitimidade protagonizado pelo governo, sob proposta de Deloitte & Touche, deve ter tido em conta as conclusões extraídas de um outro estudo, transversal, de auditoria ao funcionamento do sistema autárquico português, realizado por este mesmo consultor. Tal análise, datada de Setembro de 2002, a que poucos terão dado atenção e a que ninguém terá detectado importância e alcance prático na perspectiva da reforma do tecido municipal, concluiu que as câmaras, em geral, gastam demasiado, funcionam mal e resistem à mudança.

13 julho 2003

Hora das Liderancas

A Hora das Lideranças
Em 11 de Julho escrevi um post-sriptum acerca do novo plano de desenvolvimento, proposto pela API do Dr. Cadilhe num golpe de surpresa que deve ter surtido o efeito desejado de uma iniciativa militar não antecipável pelo inimigo.
A reportagem do semanário Lamego Hoje, edição de 10/07/2003, acaba de noticiar a incomodidade dos líderes regionais por desconhecerem a matéria, por não terem sido solicitados a participar na sua elaboração ou na sua apreciação prévia, por não terem sido convidados a estar presentes ao acto da sua apresentação pública. Fazendo apelo à releitura do breve comentário a que aludi no início deste post e confrontando o que dissera com as reacções agora conhecidas, fica clara a implícita censura aos pequenos protagonistas de campanário.
Concebido de forma original, ousada e deliberadamente contra ou apesar das designadas "forças vivas" da região, não repetindo gestos subservientes que, no passado, se destinavam a mitigar a má consciência dos governantes por se sentirem responsáveis pelo atraso histórico que vivemos, saúda-se esta proposta pelo que representa de autonomia responsabilizante no gizar de uma estratégia coerente e global.
Tendo tudo para provar e muitos obstáculos a vencer, o plano terá a sua viabilidade condicionada pela capacidade, que terá ou não, de resistir às pressões de partilha, apropriação e desvirtuação que se farão sentir desde já.
É, novamente, hora de Sebastião José de Carvalho e Mello e não dos pequeninos sargentinhos de chumbo, ineptos para delinear qualquer estratégia integrada e alternativa. Profissionais destas lides, com anos de carreira e séquitos numerosos de subalternos a congeminar mais rotundas, jardins, festas, feiras, futebol e romarias e, novidade, pavilhões multiusos para os seus feudos, provaram a sua incapacidade para levantar voo e lá do alto, de onde a mesquinhez dos seus interesses rivais fica mais obvia, contemplarem a grandeza moral, a honra, a resistência e a vontade indómita do "reino maravilhoso", matriz inspiradora de um pacto de desenvolvimento colectivo, de Montalegre a Foz Côa, de Miranda a Lamego. Agora que se vislumbra uma nova oportunidade, nos seus olhos cintila uma gamela e nas suas declarações o azedume de quem não teve lugar no festim.
Intuíram a necessidade de eleger o turismo como pilar estruturante do desenvolvimento. Acharam-se visionários! Tratam logo de colocar os seus homens (e mulheres) de mão nos lugares-chave das Regiões de Turismo. É analisar-lhes os currículos, a estes delegados militantes: professores, políticos, professores do ensino básico e outras competências igualmente recomendáveis para o exercício da função. Cumpre-se esta por entre eventos tão reprodutivos do ponto de vista da receita e da promoção como o são as mostras de produtos da terra e as delegações à feira de Santarém, da serapilheira e da ráfia à laia de bazar marroquino; tão genuínos como os campeonatos de jet-ski; tão originais e invulgares como as ceias medievais de produção castelhana.
Uma aposta como esta com que agora nos confrontamos exige profissionalismo, racionalização de maios e prioridades e submissão a uma ideia, uma única, um pacote turistico a colocar no mercado. Impõe-se criar um conceito turístico, uma imagem e promovê-la de forma sistemática, afastando do caminho pessoas e processos amadores que desbaratam recursos, que apoiam de forma casuística, sem avaliação do mérito e desmotivam, quando não hostilizam, empreendedores e projectos.
Não se compreende que não saibamos analisar modelos que funcionam e copiar deles as virtudes. Uns paralelos mais a sul, dentro da oferta "sol-e-praia", uma única região turística ocupa-se da "venda" de uma superfície territorial de dimensão semelhante à área de intervenção do programa da API, o vale do Douro. Aqui, para o mesmo objectivo "comercial", temos cinco Regiões interlocutoras, cada qual a superlativar as suas potencialidades e especificidades de costas voltadas para as restantes.
É a hora das decisões e das escolhas! É hora de conhecermos de que massa são feitos os protagonistas que responderão por umas e outras; de saber se, como em outros momentos da história, não podendo, o povo, ser o motor das transformações e da ruptura, poderemos manter a esperança de ser conduzidos, ciclicamente, por grandes lideres. A propósito das opções que se aguardam, foi tornado público um ambicioso programa de investimentos em acessibilidades: 1700 milhões de euros em estradas, caminhos de ferro e arranjo de aeródromos. Já antes me comprometi com a oposição a esta ideia de "divisão do mal pelas aldeias" que parece inspirar o investimento nos aeródromos. Não seria melhor dotar a região de uma infra-estrutura, uma única, com mais valências e capaz de desempenhar um papel de interface com a rede viária e o a via férrea?

P.S. O Transmontar já suscitou o interesse de leitores atentos. Destes, quero destacar Paulo Cardoso, director do Lamego Hoje. Foi generoso na apreciação do que escrevo; solicitou autorização para publicar e o resultado do nosso entendimento está patente no último número daquele semanário. Estou-lhe grato pelo gesto e pela amplificação obtida para as minhas ideias e sempre disponível, em nome dos interesses de Trás-os-Montes.

11 julho 2003

Universidade de Braganca 2

Universidade de Bragança - novo
Folgo por saber que o secretário de Estado adjunto do ministro da Saúde, Adão Silva, transmontano de Macedo de Cavaleiros, defende, igualmente, a ideia da ausência de justificação para a criação de uma universidade em Bragança.
Em entrevista ao Público, hoje publicada, não se alonga na fundamentação, pois não invoca mais que a diminuição da frequência, mas dá sinais de determinação a fim de evitar mais despesa inútil.
Para o coadjuvar nesta "cruzada", notícias da Portugal Telecom, insertas na mesma página, dão conta da desactivação quase total dos serviços que restavam na sucursal de Mirandela daquela empresa de telecomunicações. Nem o balcão de cobranças de facturas escapou nesta nova iniciativa de reestruturação empresarial, motivada, evidentemente, por critérios de racionalidade económica, ligados, também, à quebra demográfica e às implicações associadas com que todos nos confrontamos.
Ainda nesta fértil página cinquenta e cinco daquele diário, somos informados da decisão, inapelável, do senhor governador civil do distrito de Bragança de transferir, de Macedo de Cavaleiros para a capital distrital, o Centro de Coordenação Operacional dos Bombeiros. Trata-se de uma decisão assumidamente polémica e tomada "contra todos os bairrismos" (sic). Quando se indaga acerca das razões que motivaram tal tomada de posição, a resposta do inefável governador alinha pela parcimónia verbal: é assim... porque sim! Estamos conversados; sobre este episódio pitoresco e sobre a utilidade da figura dos governadores civis assim demonstrada. É que, concordamos, "nem todas as promessas eleitorais são viáveis". Já o mesmo não se poderá dizer daquela que garantia a extinção desta forma de representação distrital do governo, cuja viabilidade é, gradualmente, reconhecida. Num país que, na última década, "encolheu" para menos de metade, por força do investimento nas acessibilidades e da revolução das comunicações, os governadores civis são um anacronismo que manteve, como derradeira utilidade, a satisfação de clientelas regionais sequiosas de honras e prebendas.

Proposta

Proposta
Com as magnas questões que lhe preenchem a mesa e o espírito, o senhor ministro da economia não deve conseguir dispor de tempo para ler blogues e, mesmo que eu esteja errado, arrisco declarar improvável o interesse pelo que escrevo.
Mas não será a consciência desta realidade que me impedirá de arriscar uma sugestão (já que o estado da arte me permite este excelentíssimo meio de comunicação, aproveito para, antes da sugestão, sugerir a reflexão: o governo socialista introduziu uma alteração orgânica aos organigramas ministeriais antecedentes e que se traduziu na concentração numa única pasta das competências executivas das políticas económicas; o actual primeiro-ministro manteve, acertadamente, a mesma orientação; um e outro não tiveram coragem suficiente para meter lá a regulação de todas as actividades económicas, deixando de fora a agricultura. Porquê? Numa leitura com o seu quê de subversivo, sempre se poderá responder que a agricultura já não é uma actividade económica, mas antes uma manifestação externa do estado assistencialista que, por pudor, não se enquadra sob a tutela da segurança social; ou uma ocupação territorial de manutenção instável de equilíbrios ecológicos, subvencionada, (in)consequentemente, por fundos comunitários e estatais).
Voltemo-nos, então, para a sugestão anunciada. São muitos os desafios ao empreendedorismo, frequentemente acompanhados pelo anúncio de apoios, sendo que os da moda são a "banha da cobra" do capital de risco. De tão apregoado não se compreende por que razão os seus fundos disponíveis, embora relativamente modestos, não obtêm a procura que se desejaria. Será que o capital de risco, tal como se pratica, é compatível com a realidade do micro/pequeno projecto defendido por um jovem empreendedor que nele pense para a empresarialização da sua ideia de negócio? Penso que não, a não ser que estejamos a falar de start-ups tecnológicas, apesar dos frequentes flops conhecidos (Altitude Software, ParaRede e até a PT Multimédia, antes da "limpeza" do balanço pela casa-mãe). O sistema de apoio ao empreendedorismo assente no capital de risco enferma do preconceito de base que o faz recusar a apreciação de projectos que, embora de alguma maneira inovadores, se insiram em sectores de actividade tradicionais. Por mais que o sr. Porter justifique apostas em clusters tradicionais! Outra característica do capital de risco é a sua insensibilidade para aderir a business plans modestos do ponto de vista financeiro, como o são a generalidade das ideias defendidas por jovens empreendedores e a realidade empresarial transmontana em geral.
Fora disto, sobra o crédito tradicional sempre vedado a jovens idealistas descapitalizados, já que business angels nem com uma lupa se encontram. Quantas pequenas ideias se perderão diante da inacessibilidade do capital! Quanto desenvolvimento adiado induzível por perscrutadores de oportunidades!
Depois deste intróito de contextualização, sirva-se a proposta propriamente dita. Consubstancia-se na criação de uma estrutura pública, dotada dos meios necessários à incubação de propostas empresarializáveis, submetidas à sua análise por promotores carenciados de capitais iniciais que as alavanquem. Teria, em paralelo, características de academia, onde o empreendedor se municiaria das competências necessárias à sua condição de empresário, designadamente nas áreas jurídica, financeira, comercial e marketing, organizacional, pensamento estratégico, investigação e desenvolvimento, internacionalização de negócios, etc..
A esta entidade de fomento empresarial seria confiada a responsabilidade exclusiva de liderar a primeira fase do desenvolvimento dos projectos e sua operacionalização no mercado, de acordo com a definição do business plan.
Depois de provar as suas potencialidades, no concreto da economia real, a nova empresa seria entregue ao seu "criador" (que, entretanto, se dotara das ferramentas de gestão necessárias à assunção das responsabilidades e acompanhara de perto todas as vicissitudes iniciais) em condições ideais de sobrevivência. O serviço prestado pela incubadora seria remunerado pelo reembolso do investimento, por inteiro e por prazo a negociar de acordo com as taxas de rendibilidade do negócio, acrescido de um prémio, até 10% do valor investido. Operações, estas, destinadas a autofinanciar o sistema.
Nos casos em que a implementação não atinja o sucesso esperado, excepções que servem para provar a regra atendendo ao elevado potencial de conhecimento de tal agência, o empreendedor responderia solidariamente numa percentagem não superior a 25% do investimento perdido.

P.S. Ao escutarmos o anúncio de mais um plano de desenvolvimento para a região do Douro e Trás-os-Montes, não posso deixar de exteriorizar o sentimento de descrença e desconfiança na presença do enésimo projecto conhecido.
Esta posição, que não revela mais que perspectiva histórica e prudência, deixa lugar para o espanto, a revisão da opinião e o reconhecimento se, no final, aquilo que pouco promete acabar por cumprir. Num ponto este programa inova. Desta vez, ele não surge gerado pela negociação ou arbitragem de interesses ou audição das "aspirações profundas" das nossas gentes, que, habitualmente, mais não são que somatório incoerente e inconciliável de pacotes de investimentos improdutivos apresentados pelos eleitos locais, numa lógica de sobrevivência política, à revelia ou sem caução das populações cujos interesses dizem interpretar. Desta vez, imposto de cima, liderado por gente que já provou, sem ponderações paralizadoras, talvez o dito vingue.
Já agora, uma vez assumidos os custos de contexto, sugere-se que um deles, a acessibilidade, seja pago pelo primeiro aeroporto da região.

08 julho 2003

Sem Ponte para o Futuro

Sem Ponte para o Futuro
O jornal "Público" publicou um interessante artigo (Local, ed. 26/Jun/2003), da autoria de Pedro Garcias, representativo do contexto socio-político de Trás-os-Montes.
Segundo o autor da notícia, a Junta de Freguesia do Amieiro, que, no passado dia 27 de Dezembro, viu ruir a ponte que lhe quebrava o isolamento pela ligação à margem esquerda do rio Tua e à estação ferroviária de Santa Luzia, interpôs "uma queixa-crime contra eventuais responsáveis" pelo colapso daquela estrutura no Tribunal de Alijó. Fê-lo a dois dias do final do prazo e forçada pela abdicação do Ministério Público que, embora conhecedor da situação que configurava um crime público, nada fez para apurar responsabilidades.
Diz-nos Pedro Garcias que a ponte tinha custado trinta mil contos, dos quais vinte e quatro mil tinham sido doados pelo benemérito da terra, já falecido, sr. José Rocha, e os restantes seis mil contos representaram a contribuição da C.M. de Alijó. E que a ponte desaparecida por força das cheias de inverno, que a ponte-açude de Mirandela não contribuiu para disciplinar, como decorre da sua natureza de intervenção regularizadora na natureza, substituiu, temporariamente (apenas por dezoito anos), a barca, quando o ímpeto do rio o permitia e o "teleférico", gaiola suspensa por arames, cuja autorização de funcionamento deveria, só por si, imputar responsabilidades aos agentes.
Resta a referência aos acusados na queixa-crime corajosamente interposta pela Junta de Freguesia do Amieiro: Estado português, o Instituto de Estradas de Portugal, a Câmara Municipal de Alijó, os responsáveis operacionais da ponte-açude de Mirandela, o construtor António Carneiro e a empresa Metalomecânica de Amarante. À lista não acrescentou, a Junta de Freguesia do Amieiro, o Ministério Público, mas este não deixou de ser, convenientemente, censurado na sua omissão.
À laia de La Fontaine, quero extrair para o meu breviário analítico as seguintes conclusões. A primeira, reveste a forma de um vaticínio: as bravas e inconformadas gentes do Amieiro só voltarão a dobrar as trapaças do Tua-Adamastor quando gerarem um novo José Maria Teixeira da Rocha, cujo apelido já dá garantias de solidez e obstinação suficientes para tão grande empresa. A segunda suporta a minha homenagem à coragem, sentido de serviço, insubmissão ao destino e independência revelados pelos eleitos do Amieiro. Os residentes e os amieirenses da diáspora, que os haverá, devem apreciar e seguir, mobilizados, esta liderança. O Ministério Publico, ao não proceder ao inquérito nem deduzir acusação que correria por conta do erário público, o que denota, pela via enviesada do economicismo, uma parcimoniosa e zelosa administração, trouxe para as populações em causa um encargo desnecessário no acesso à justiça. Este, garantido constitucionalmente, tropeça numa praxis de obstáculos "naturais" só comparáveis às intransponíveis arribas do vale do Tua, tão ingratas para os amieirenses. Outra seria, quiçá, a atitude do MP se a pressao mediática atingisse o clímax de Entre-os-Rios... A terceira resume-se ao registo de mais uma prova, da miríade delas que se pode encontrar na análise das relações entre câmaras municipais e respectivas juntas de freguesia, da generosidade, solidariedade e com+paixão da autoridade municipal em causa. Não sei quantos eleitores habitarão a localidade, mas não terá ela, com certeza, peso eleitoral decisivo no concelho. A contribuição dada em 1985, aquando da edificação da frágil solução da travessia e, sobretudo, o comportamento pós 27 de Dezembro de 2002 provam que a aposta nos municípios para a resolução de problemas locais, por razões de proximidade, vale o que vale e, em certas ocasiões, muito pouco ou nada.
Outra extrapolação a partir deste caso diz respeito ao grau de satisfação que as gentes transmontanas podem, legitimamente, manifestar nas autoridades que lhes colocam ao serviço, sejam elas judiciárias, administrativas ou, noutro âmbito, de saúde, escolares, etc. Como qualquer região periférica (os Açores são um caso flagrante de recurso para quem quer iniciar carreira na função pública), só temos direito a novel licenciados sem experiência, a quadros sem curriculum, viciados e domesticados pela militância partidária, a autarcas servos de estratégias e cálculo políticos, a quem se pressente o fastio por causas "menores" e a ambição posta ao serviço da carreira, que se segue ao tirocínio regional, feita à volta da farta mesa da res publica, a imigrantes que, embora qualificados, não terão perfil totalmente compatível com as nossas necessidades, a responsáveis cuja permanência na região é vista pelos próprios como um injusto degredo de que se livrarão à primeira oportunidade surgida no litoral.
A ser provada a responsabilidade no colapso da parte da gestão operacional da ponte-açude de Mirandela, ela é reveladora de duas realidades sinistras: a gestão de determinados equipamentos como estes ou outros, estradas, vias férreas, em que o controlo incompetente pode pôr em risco as populações, não pode ser negligenciável; a falta de coordenação de operações entre concelhos vizinhos aqui patente demonstra os resultados das políticas de fronteiras estanques ou da discontinuidade administrativa sobre a qualidade de vida dos cidadãos que não têm culpa nenhuma, nem merecem ser vítimas da régua e esquadro da divisão territorial. Se a montante estivesse Espanha...
Em sexto lugar, regozijo-me pela ausência de tragédia com o seu rol de vítimas de toda a natureza. Como portugueses, temos, sempre, esta facilidade de vislumbrar sorte na desgraça.
O facto de a comunicação social não se demitir, nem esquecer o seu papel reformador da consciência cívica é motivo do meu reconhecimento.
Por último, a conclusão que mais prazer me daria retirar, embora esta dependa da penosa tramitação processual e dos desenvolvimentos subsequentes, é a de que há recompensa para a perseverança, para a força da razão e para a vítima de todas as negligências e omissões, a isolada, mas não esquecida, população do Amieiro.

Universidade de Braganca

Universidade de Bragança
"O ministro adjunto do primeiro-ministro, José Luís Arnaut, arrefeceu anteontem as expectativas quanto à criação da Universidade de Bragança, considerando que 'nem todas as promessas eleitorais são viáveis.' 'Cumprir só por cumprir quando elas não têm viabilidade não chega.'", Público, Local, 3/Jul/2003.

"'Nem sempre as universidades são factores de desenvolvimento. Muito pelo contrário: há sinais de decréscimo de frequência nas universidades do interior do país.'", Luís Arnaut, Público, Local, 3/Jul/2003.

"'Não estou satisfeito nem deixo de estar. Não sei o que o governo quer fazer a esse nível; sei o que Bragança quer e sei qual foi o compromisso do primeiro-ministro.'", Jorge Nunes, Presidente da CM Bragança e da Comissão Pró-Universidade, Público, Local, 3/Jul/2003.

Da leitura da reportagem do Público, ficamos a conhecer a azia que se apoderou dos lideres de opinião e autoridades bragançanos, anfitriões do ministro adjunto do primeiro-ministro, após escutarem o pronunciamento deste a propósito da aludida promessa eleitoral e seu duvidoso pagamento. Consta que chegaram ondas de choque a Viseu, pelo que já se iniciou a autodefesa.
Para lá das infelizes declarações do senhor ministro, que vem provando ter dificuldades de expressão oral das ideias quando opera de improviso e cuja análise deixarei para o fim, interessa-me desmontar a hipocrisia rasteira em que se embaraça a argumentação justificativa de um nobre desiderato que seria a reivindicação do ensino superior universitário.
Para começar, a designação "...de Bragança" indicia o carácter e o efeito locais (paroquiais) esperados; já demonstra em que estádio está o barómetro da consciência da unidade regional da cabeça de distrito. Tal como está o ambiente político regional, pode dizer-se que é regionalista e reivindicativo "para cima" e centralista e monopolista "para baixo".
Depois é preciso dizer que o ensino superior já existe em Bragança e há alguns anos e que já tem, também, expressão noutros centros populacionais da nossa terra (Mirandela e Macedo de Cavaleiros, nomeadamente). E é preciso perguntar se a magna aspiração da capital de distrito se funda no resultado de uma avaliação prévia desta experiência de anos do ensino politécnico que justifique aquela. Será que está esgotada o tipo de resposta fornecido pelo sistema actual? Será que o impacto desta experiência no desenvolvimento regional exige, agora, uma resposta de grau superior? A minha opinião fica implícita...
O que se espera que a universidade traga de tão decisivo que o actual Instituto Politécnico de Bragança não contemple? Uma universidade como factor de desenvolvimento é um investimento num ensino de nível superior e de excelência. Constitui um motor de desenvolvimento induzido pela investigação aplicada localmente. Dá resposta à procura de propostas deste nível de ensino por parte da juventude residente e fomenta o empreendedorismo pela fixação de quadros e pela inovação tecnológica de novas apostas empresariais.
Estas são motivações consensuais, mas, acredito, residuais na escala de prioridades dos promotores pro-universidade, pois os efeitos enumerados não são facilmente mensuráveis e, sobretudo, não são imediatos.
Uma universidade como acessório de concurso de beleza, como trofeu decisivo na competição da feira de vaidades regional ou da luta de galos pelo título de capital do nordeste transmontano não passa de uma despesa que urge travar sem remorso.
O interesse público, colectivo, nacional do investimento na criação de uma universidade tem de resultar da ponderação séria de objectivos, necessidades, alternativas e saídas profissionais com reflexos na qualificação e na dinâmica do desenvolvimento. E não ser forçada por caprichos, promessas eleitorais que valem por escrituras, lobbying regional que vise apenas um acréscimo demográfico artificial, um dinamismo comercial conjuntural pelo aumento do consumo, um aumento do emprego não qualificado (pessoal auxiliar) e dos "tachos", o fomento imobiliário não estrutural ou a resposta aos interesses particulares necessitados de solução para o estagnado mercado do parque habitacional excedentário e devoluto, no que isso tem de clientelar e promíscuo, um aumento de contribuições e receitas municipais não assentes na consolidação da actividade económica, mas como reflexo de uma dinâmica conjuntural, dependente de aspectos externos não controláveis (demografia, por exemplo). Urge disciplinar estas pulsões regionalistas serôdias, baseadas num imediatismo transaccionável de interesses particulares ou corporativos.
Por tudo o que ficou dito, impõem-se o desejo de ver cessados, quanto antes, os tiques bairristas, assentes em interesses particulares ou de casta, travestidos de preocupações universais, desinteressadas, de apelos profundos da sociedade civil, de ímpetos de progresso e modernidade. Vamos apostar decisiva e empenhadamente na contínua afirmação e prestígio da Universidade Transmontana, instituição com história, prestigiada, circunstancialmente localizada em Vila Real, localização esta que em nada belisca ou acrescenta ao seu labor e glória. Assim, é a região toda que aproveita; nada ela ganharia com (mais) uma universidade periférica, sem vantagem comparativa e competitiva para apresentar ao eixo Vila Real/Salamanca, por esta via pouco atractiva na captação dos melhores docentes e alunos, acabando por ver diminuída, a prazo e por escassez de prestígio, a frequência e a viabilidade.
Uma nota para a prestação do senhor ministro: cuidado com a linguagem! Então, se a diminuição da frequência é a conclusão de que a universidade não é factor de desenvolvimento, como compreender que o seu colega do ensino superior congele vagas nas universidades do litoral no intuito de repetir o erro de renovar a aposta naquela por força da transferência de excedentes? São estas desafinações, frequentes no ministro Arnaut, que credibilizam teorias "conspirativas", como a que atribui à congelação das vagas referida um efeito perverso de aumento da procura nas escolas privadas.

02 julho 2003

Caso Casa do Douro

Caso "Casa do Douro"

De cada vez que irrompe um caso semelhante a este, implicando tentativas desesperadas de sobrevivência de instituições ou estruturas que os próprios dirigentes se encarregaram, com toda a sua vasta gama de incompetências, de tornar inviáveis, retrógradas ou obsoletas, agarrando-se, por último, aos "pergaminhos" que justificaram a sua criação e o passado, mas que não são de nenhuma serventia no presente, quanto mais no futuro; quando, dizia, casos como este ou outros, como o do Complexo do Cachão, acontecem, assumem protagonismo patético figuras pardas que outra coisa não fazem que reivindicar e protestar em nome de assembleias de desvalidos e descrentes, que os não apoiam já e lhes reconhecem, se perguntados, as incompetências, quando não os aproveitamentos em benefício próprio da posição que aqueles temem perder.

Quando tudo isto acontece, é a credibilidade da região que fica em causa, são os esforços desenvolvidos, laboriosamente, no sentido da aceitação de teses de discriminação positiva em favor da província que desabam perante os olhares atentos do resto do país, que constata, uma vez mais, o ruir fragoroso de um novo e eloquente exemplo da nossa (in)capacidade de nos autodeterminarmos socialmente.

Não sei tudo o que ficou dito se pode aplicar com total propriedade ao caso concreto, que acompanho com distanciamento crítico; não duvido nada da consequência que acabo de retirar. Uma coisa é certa: ao longo dos últimos anos da já longa agonia da Casa do Douro, foram estridentes as "guerras" com as variadas tutelas e patente a fragilidade argumentativa dos dirigentes. Simultaneamente, foram, também, públicas as negociatas dos cartões de benefício (produtores com capacidade formal de produzirem determinada capacidade de Vinho do Porto, que comercializavam esse direito, que não exerciam por já não existirem as vinhas respectivas, pela alienação do dito cartão) nas barbas da CD, o tráfico de mostos e uvas de outras regiões, nem sempre contrariado, com reflexos na qualidade e genuinidade do Vinho do Porto e mesmo a evolução da "mancha" da região demarcada, será que se justifica, apenas, por critérios técnicos de natureza climática e de composição dos solos? Depois vêm os stocks de Vinho do Porto confiados à sua guarda e administração, o seu valor, a qualidade do armazenamento, os derrames a céu aberto, etc., etc....

Reforme-se! Nem todas as heranças são boas e muito menos as que baseiam as suas virtudes na força histórica, apenas.