TRANSMONTAR

Dissertações sobre Trás-os-Montes, seu passado, presente e futuro. Idiossincrasia transmontana e visão do mundo a partir deste torrão.

18 março 2004

O Arauto da Paz

O Arauto da Paz

O Dr. Mário Soares reaparece (TSF) para se pronunciar sobre o tema actual do terrorismo, manifestando o seu apoio a uma estratégia de diálogo com os terroristas, contrária à tentação do “esmagamento” que se vem seguindo e que, do seu ponto de vista, só pode conduzir ao fracasso.
Ou me engano muito ou este ressurgimento (mais notado se analisado em contraponto com o prolongado “apagamento” imposto pela precavida gestão de agenda em tempo de “crise do aborto”, contrastante com a inépcia voluntarista revelada pelos “aprendizes de feiticeiro” que governam o PS — a partir do Rato ou de Belém — que apostam tudo, imprudentemente, num tema “fracturante” do qual sairão a perder proporcionalmente ao “capital” investido, Soares não desperdiça munições em tais “guerras” que, no seu percurso pessoal, sempre foram aplacadas com respeitosas “peregrinações” a um qualquer paço episcopal que se encontrasse à mão) há-de ter réplicas frequentes, tal é a atracção pelo “sangue”, por ora apenas insinuado, que o seu “faro” de fera política lho prediz garantido.
Porque a sua motivação vai menos no sentido da compaixão pela dor das vítimas ou do sincero interesse pela contribuição política para o debate e resolução da séria problemática do desafio terrorista e se inclina, resolutamente, para a guerrilha política interna, cuja vitória deseja disputar ou influenciar, Mário Soares não anunciou nenhuma intenção de constituir embaixada e, em jornada rumo ao Oriente, exercitar uma exaltante magistratura de influência, no sentido de persuadir os regimes antidemocráticos locais a adoptar os benefícios da doutrina humanista do republicanismo laico como opção política de grau superior em confronto com a escolha teocrática vigente.
Contrariamente ao que afirma pensar, o Dr. Soares não esqueceu que foi o equilíbrio na força que garantiu resultados nos compromissos havidos e a paz da “guerra fria”, nem ignora que a crise dos Balcãs não encontrou solução em dois ou três anos de “monitorização” à distância e o correspondente low-profile de Clinton, nem nega a importância da firmeza inerente ao sentido de Estado, apoiada na solidariedade incondicional e espontânea das opiniões públicas, empregue no combate que levou ao enfraquecimento e decapitação das lutas irlandesa ou basca.
Sopram, agora, outras brisas... A opinião pública está, paradoxalmente, disponível para se deixar inebriar por perturbadores cantos de sereia pacifistas e o Dr. Mário Soares sabe, como poucos, navegar à bolina.

17 março 2004

Transmontar: ano II

Transmontar: ano II

Completar um ano de presença em linha, apesar de alguma inconstância e não poucos percalços técnicos, revelou-se uma experiência muito gratificante. Assumo o desejo de publicar a minha visão da realidade, o prazer de ser lido e comentado e a gratidão devida a quem tornou possível a existência das ferramentas que viabilizam este extraordinário meio de difusão das ideias posto ao serviço de pessoas comuns.
Apesar da maior diversidade temática permitida pela v2.0 do projecto Transmontar, a circunstância política transmontana, num contexto atribulado de reforma administrativa, motivou grande parte das minhas reflexões críticas, às quais se seguia, geralmente, a apresentação de propostas, provocações e interpelações. Destas destaco propostas de fomento do empreendedorismo, de reorientação administrativa do território, de política de turismo para a região; provocações no âmbito da política agrícola e agro-industrial; desafios para a assumpção de responsabilidades cívicas e sociais por parte de quadros superiores do tecido social, sobretudo universitários, diante das metamorfoses político-administrativas anunciadas. Neste último caso, anoto com satisfação a tomada de posição que a Universidade de Trás-os-Montes veio a assumir, de liderança de um movimento social de pressão no sentido da unidade transmontana contra o separatismo que está a um passo de se consumar. Embora mantendo uma discordância de base, que se prende com a rejeição da organização territorial proposta pelo governo e não compreenda a reserva de adesão destinada aos residentes em Vila Real, tomar para si o risco do público compromisso com uma solução, qualquer que ela seja, satisfaz o meu repto.
A reflexão acerca do futuro do movimento blogosférico nacional, para a qual me foi útil a participação no I Encontro Nacional, realizado em Braga, vem acentuando um certo tom crítico. Funcionando em capelas mais ou menos mediáticas e de espaço reservado a oficiantes reconhecidos e reputados, a sua dinâmica ressente-se dessa falta de permeabilidade e tolerância em relação a outsiders e à frescura de temas distantes dos da agenda da redacção. É com desalento que afirmo a relativa insensibilidade da blogosfera para debater a ineficácia do municipalismo, apesar das fraudes frequentes e mesmo da falência financeira de Câmaras com a dimensão da de Setúbal ou do Marco de Canavezes e, sobretudo, a sua indisponibilidade para questionar a recente e gravosa resposta governativa para tal ineficiência.
Por último, mas mais importante que tudo, quero vincar o imenso prazer que retirei do contacto próximo, apesar de intermediado pela tecnologia, com desconhecidos que comungam da nossa maneira de olhar o mundo e os seus problemas, que compreendem o que tentamos defender para além da crítica mais ácida, que buscam, a partir das mais distantes latitudes, um olhar ou uma resposta para os acontecimentos que marcam a vida da sua terra e até com aqueles que pensaram poder ler algo que lhes conviria no que comunicamos e que, logo após, se frustraram com a minha heterodoxia. A todos, bem-hajam pela companhia!

16 março 2004

Época de Exames 1

Época de Exames #1

Aspectos da política educativa

Há duas semanas atrás, assistimos a mais uma polémica com chancela genuinamente portuguesa: assunto mais ou menos consensual — prosaico até, de acordo com a hierarquia de prioridades de qualquer projecto de edifício educativo orientado para a transformação social pela via do conhecimento — gera, por cá, violenta urticária dogmática e encarniçados engalfinhamentos políticos ao sabor de interesses partidários, mas que, de tão estéreis, logo se lhes fina a virulência mal passada que esteja uma semana.
A reintrodução dos exames por alturas da mudança de ciclo, como método de aferição de conhecimentos e de competências dos estudantes, momentos de verdade e prova, segundo designações diversas, como outros com que se debaterão, frequentemente, vida fora, motivou frontal oposição da CONFAP, sigla que, no caso vertente, se moldaria com propriedade à salvaguarda dos interesses de uma confederação de Associações de Professores ou dos de uma outra cúpula de associações de Agrupamentos Partidários em lugar da independente e autêntica Confederação das Associações de Pais (quantas instituições não são mais que extensões ou “órgãos desconcentrados” da nomenklatura partidária disfarçados de emanações, genuínas e independentes, da sociedade civil...).
Partilho os ideais de curricula “abertos” contemplando uma considerável liberdade de formatação concedida ao professor e por este exercida de forma responsável e de acordo com especificidades de natureza geográfica, sociocultural e de interacção comunitária como resposta a solicitações concretas a requerer respostas adequadas. Mas não compreendo a alegada incompatibilidade insanável desta gestão “criativa” do processo educativo com o rigor e exigência de um sistema de avaliação, de garantia e certificação da conformidade daquela com os objectivos superiores e prevalecentes da política educativa geral. O objectivo do investimento educativo não há-de servir, apenas, o ideal romântico da contemplação estática, com deleite e encantamento, diante de uma formulação conceptual de um sistema educativo “progressista”, ideologicamente empenhado e moldado, mas deve antes centrar-se nos resultados produzidos nos alvos da intervenção educativa, nos “ganhos de produtividade” acrescentados à dinâmica social e civilizacional.
Apesar de todo o destaque que lhe adveio da acesa controvérsia, os exames não têm mais dignidade para além da relevância instrumental aludida; muito menos o merecimento bastante para disputarem assim o núcleo restrito das medidas estruturantes que uma agenda ministerial, que não se queira imprudente, superficial, vácua ou timorata, deve ordenar. Foi, precisamente, num enviesar, não provocado, da acção política responsável e competente que se transformou a intervenção ministerial, em mais uma inabilidade táctica proverbial.
Choca-me uma inversão de prioridades — de que o “folclore” dos concursos de professores é outro exemplo — vinda de quem tanto prometeu no campo da coerência reformadora do sistema educativo. Diante de bandeiras meritórias e inadiáveis, de impacto revolucionário e pioneiro na evolução qualitativa do sector da educação em Portugal, de que são exemplo a profissionalização da gestão nos termos propostos, a avaliação externa permanente do sistema e dos seus agentes, que se quedou pela publicação inconsequente de rankings de escolas ou a anunciada reforma do ensino artístico, condenada a uma interminável discussão pública desde o passado dia 28 de Abril de 2003 e com implementação efectiva adiada para o ano lectivo de 2007/08 se, até lá, a vontade testamentária for respeitada.
Na conferência do Banco de Portugal da semana passada, sobre o “Desenvolvimento Português no Espaço Europeu”, o governador classificou o sector da educação como “um desastre” inibidor do crescimento sustentado. Nos indicadores enunciados por Constâncio pulverizaram-se, uma vez mais, alguns dogmas caros à esquerda: o investimento na educação (5° lugar na lista da OCDE) é um desperdício quando relacionado com os resultados obtidos (25° ou 26° lugares da escala da OCDE, “muito abaixo dos dez países que vão entrar na UE”), pelo que o seu aumento, sempre reclamado, é uma demagogia antipatriótica, mesmo que suportado pelo aumento e generalização do regime das propinas, que o governador também defende (que mais terá de dizer ou fazer para merecer a excomunhão?); para um impacto tão decepcionante, nem o primeiro lugar obtido por Portugal no “ratio” “professor por número de alunos” opera qualquer ganho.
Depois do esforço financeiro dispendido ao longo de décadas, no fim de um sem número de experiências pedagógicas em ritmo de fluxo e refluxo, após uma iniciada tentativa de reposição hierárquica das especiais relações de poder que regulam a vida das comunidades educativas e uma vez assumido o compromisso de crescente exigência no capítulo da avaliação e da consequente progressão escolar dos discentes, restam poucas explicações para o fracasso do sistema educativo português. A profissionalização da gestão, com a correlativa avaliação independente do desempenho, será uma delas, pelo reforço implícito da transparência que desperta, pela orientação por objectivos — em vez da actuação pelos interesses corporativo-sindicais — que provoca. A avaliação dos docentes, como garantia prévia de produtividade e eficácia, será outra condição determinante que urge enfrentar e aplicar. A negligência, a displicência, a irresponsabilidade dolosas, para além de merecerem censura no plano ético, devem incorrer em apreciação jurídico-penal, por analogia, referida a título de exemplo, com os regimes processuais previstos para o apuramento de responsabilidades pela qualidade da prestação de cuidados de saúde ou no caso de imputações por más práticas ambientais.
A Reforma do Ensino Artístico, um dos pilares da reforma global do Ensino Secundário, visando integrar as várias valências dispersas do lado da oferta e, sobretudo, retirar do ensino profissional, onde se alojavam como um quisto, as Artes, dada a sua especial vocação especializada a requerer prossecução de estudos superiores em vez da entrada prematura no mercado de trabalho, abraçava uma meritória intenção reformadora de que é exemplo a promoção do ensino musical precoce em escolas especializadas da rede pública. O seu adiamento sine die conduz a Reforma do Secundário a uma inconsequência doutrinária e, pior do que isso, condena a cultura a um futuro menor.
Diante de desafios tão mobilizadores e decisivos para o desenvolvimento e afirmação de Portugal, pontuar a agenda política com questiúnculas subsidiárias só pode indiciar desorientação estratégica, incapacidade concretizadora e resignação. (Vidé trackback: http://aviz.blogspot.com/2004_03_01_aviz_archive.html#107870669955043641)

15 março 2004

Nova era

Nova era

Inaugura-se, hoje, uma nova era: a do tele-governo, baseado numa democracia “fantoche”, submetida a uma tele-tutela ditatorial de rosto ausente, presente por via da delegação de poderes em sanguinários “enviados” plenipotenciários e por traidoras trombetas mediáticas. Chegou a hora da aceitação voluntária da subjugação pelo terror, da capitulação consentida diante da ingerência ilegítima e criminosa que antes se condenara, da celebração catártica do masoquismo colectivo, da entronização do TERROR, investido dos poderes de império inerentes à sua nova condição e dignidade de ESTADO GLOBALIZADO.
Chegou a hora da derrota dessa outra expressão civilizacional inferior fundada na liberdade, independência e democracia autodeterminada.

14 março 2004

Um Lula, uma velha raposa, os joanetes desta

Um Lula, uma “velha raposa”, os joanetes desta, um “fóssil” ideológico que ameaça sair da gaveta e outros equívocos...

Fonte próxima de Mário Soares revelou à agência asuL a razão que motivou a falta de comparência do ex-Presidente da República à passeata de protesto, organizada pela CGTP, que percorreu, no dia de anteontem, as principais artérias da capital e culminou em barulhenta concentração na praceta da Assembleia da República.
“Foram os joanetes, foram os jo-a-ne-tes!”, sussurrou, soletrando, a nossa fonte. Com efeito, confirmámos ter sido uma inflamação aguda e (in)oportuna dos referidos nódulos a ocorrência incapacitante do presidencial ímpeto revolucionário, recuperado e reorientado, que inviabilizou mais uma concupiscente manifestação pública de apreço ideológico mútuo que vem caracterizando, por estes dias, a relação entre os dois líderes: a “velha raposa” da política portuguesa e a sempre-ígnea promessa do sindical-socialismo entrincheirado, Carvalho da Silva, figura por quem Mário Soares considera valer a pena soltar, da gaveta histórica, aprisionados e adormecidos génios ideológicos, decisivos para a desejada ascensão daquele ao estatuto de Lula português.
O monarca republicano e laico do Campo Grande terá comunicado, telefonicamente, a Carvalho da Silva a sua arreliadora indisponibilidade para estar presente — como vem sendo hábito — na marcha imparável do 11 de Março e, como que a redimir-se por este seu não-alinhamento da Primavera (radiosa), terá sugerido ao Trabalhador o agendamento de uma acção conjunta a levar a efeito em 25 de Novembro próximo. Não nos foi possível, até à hora de envio deste despacho, obter confirmação da eventual receptividade do patrão dos trabalhadores a tal convite ou, sequer, se admite concessões de calendário para lhe poder responder afirmativamente. ASUL

11 março 2004

In memoriam

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06 março 2004

Práticas subterrâneas, ou ditirambo à gestão autárquica

Práticas subterrâneas, ou ditirambo à gestão autárquica

O “Público” de hoje é uma bênção!
Sem honras de manchete ou sequer chamada na primeira página, mas antes dissimulada nas interiores do caderno Local, a investigação conduzida por José António Cerejo percorre 33 anos da história recente de Portugal para reconstituir e documentar as relações pouco virtuosas entre um construtor civil e a Câmara Municipal de Lisboa (CML).
Um enredo de favores mal explicados, cumplicidades, silêncios, tráfico de influências e uma insinuação subtil implicando o mais alto magistrado da Nação no exercício do seu mandato autárquico, eis o picante digno de uma narrativa policial penalizadora dos cofres municipais e comprometedora para todas as dinastias reinantes na CML, desde a “revolucionária” Comissão Administrativa até à social-comunista dos finais do século passado.
Nem a pedido conseguiria mais eloquente exemplo da valia, probidade e transparência da mui nobre e secular instituição municipal. O que me dói é o apagamento inglório que adivinho que esteja reservado a uma história tão edificante, pois nela se encerra a trama épica bastante para merecer o destaque e reconhecimento de que vêm beneficiando outras novelas mais ou menos pias.
Para quando o fim do dogma intangível da infalibilidade da via municipal como modelo primordial da governação local?

05 março 2004

Estratégias subliminares

Estratégias subliminares

No sortilégio, rico de peripécias, em que se converteu o Processo de Reforma Administrativa em Curso (PRAC), cujo epílogo é de predição improvável, o Senhor Secretário de Estado Miguel Relvas associou-se às organizações empresariais de Vila Real e Bragança num crescente esforço de persuasão tendente a forçar a alteração da posição dos concelhos ribeirinhos do Douro empenhados na constituição da sua ComUrb.
Num debate em que participou, por estes dias, na NTV, com autarcas durienses, o governante voltou a glorificar os benefícios da sua criação e não se cansa de antecipar desdobramentos naturais (eleições directas para os órgãos das novas entidades, capacidade de cobrar impostos, estatuto de circunscrição eleitoral, tudo no prazo de cinco anos) do seu esforço legislativo, numa antecipação interpretativa meta-legal, como se a paternidade lhe conferisse os especiais privilégios constitucionais de que necessitaria para garantir tal evolução, em tais termos e nos prazos por si estabelecidos.
No circo insano em que ameaça transformar-se o sprint final desta pantomina, o membro do governo invoca virtualidades ficcionadas para garantir às novas confrarias dimensão, capacidade integradora, coerência e ambição estratégica, num exercício de quadratura do círculo traduzido na necessidade de não afrontar os municípios e, em simultâneo, tentar “ultrapassá-los”, numa confissão implícita de desconfiança insanável; os visados fingem que acatam o conselho, mas deslumbram-se, sem o confessar, com a possibilidade de, circunscrevendo a sua área de intervenção e de “combate” de acordo com o seu grau de representatividade e de influência, concretizar a sua ideia de poder. É a esta luz que se devem interpretar os silêncios dos representantes, locais e parlamentares, de transmontanos e alto durienses perante o desmoronamento da mítica unidade “nacional”; é por este prisma que melhor se compreende o verdadeiro alcance das declarações de um deputado, eleito pelo círculo de Vila Real, numa coluna de opinião que subscreve semanalmente no jornal “Lamego Hoje”:

“ A existência de mais de uma comunidade interurbana em Trás-os-Montes não é prejudicial. Um todo é mais forte se as partes forem mais fortes e, nas actuais condições é possível constituir uma comunidade Douro forte e coesa. Com dimensão para o próximo Quadro Comunitário. Capaz de se federar com outras comunidades se tal for necessário. Mas acima de tudo capaz de garantir, com equilíbrio e dimensão, aos portugueses do Douro melhores serviços que aqueles que actualmente o Estado oferece na região. Trabalhem os demais comunidades para que as suas partes sejam também fortes. Talvez assim se possa ter um Trás-os-Montes forte daqui a alguns anos. Um Trás-os-Montes com partes fortes, capazes de dar resposta efectiva aos desafios do futuro. ”



A subordinação a uma estratégia pessoal, responsável pela subscrição de uma posição surreal que faz depender do “separatismo” a pujança do desenvolvimento económico e social desta terra, nem sequer é temperada pela condição de docente universitário que acarreta especiais exigências de reflexão e bom-senso ao seu autor.


Enquanto toda a gente se “orienta”, resta ao desamparado povo empenhar desesperadas energias e ingénuo entusiasmo na salvação, in extremis, de difusas aspirações regionalistas unificadoras.

04 março 2004

As autarquias e a cultura

As autarquias e a cultura

Há uns anos atrás, ouvia-se falar de Tomar como uma região deprimida, vítima da decadência e do desinvestimento nos sectores tradicionais, num quadro que se abatia sobre o emprego local e se agravava à custa da débil diversificação da actividade económica.
De então para cá, não mais ouvi falar da circunstância nabantina, até que, nos últimos dias, se vem apregoando o investimento cultural que visa transformar Tomar num pólo de museus de dimensão europeia e basear num vasto núcleo museológico que preencha o miolo histórico urbano, a partir de um Museu de Arte Contemporânea, com um espólio de poucas dezenas de quadros de uma colecção particular doada, de uma sinagoga, de um Museu desactivado e do Museu dos Fósforos, a candidatura da cidade a capital europeia da cultura em 2012.
Quando tomo conhecimento de tentativas de alavancar o desenvolvimento a partir do investimento financeiro no etéreo capital cultural, coloco-me, prudentemente, numa posição de expectativa céptica. A avaliar pelo que conhecemos por cá — o destino inglório do Parque Arqueológico do Côa, as numerosas apostas culturais das autarquias, traduzidas em centros culturais, bibliotecas, museus e, mais recentemente, teatros — para além de manifestações majestáticas para reverter em votos, o móbil instrumental omnipresente reconduz-se à gestão meticulosa da teia de apoios proporcionada pelo regime de reciprocidade garantido pela traficância de influência e de cargos.
Queira Deus que a ausência de ecos da cidade dos tabuleiros de que me queixava derive do sucesso alcançado na reconversão económica do concelho, pois caso contrário receio que, em terras do Museu dos Fósforos, se estejam a queimar recursos numa feira de vaidades e ilusão.

02 março 2004

Carta ao Director do Público

Carta ao Director do “Público”

Senhor Director,

Tal como muitos outros portugueses, alimento pelo “Público” laços de afectividade que vêm do tempo da sua fundação, embora não deixe de fazer uma leitura crítica do vosso esforço redactorial ou me permita o desacordo pontual em relação a uma ou outra “militância” que detecte e não me atraia. Ultimamente, sinto o seu jornal tão empenhado na defesa do Processo de Reforma Administrativa em Curso (PRAC), que chego a recear pelo aliviar de cautelas deontológicas ou de regras de ponderação, bom senso e equidade na atribuição de espaço de difusão das ideias dos que se opõem ao PRAC e das quais eu comungo. Bem sei que não será fácil encontrar uma personalidade de elevado perfil político, técnico ou técnico-constitucional disponível para assumir a oposição à avalancha unanimista — a oposição joga no fracasso da reforma, mas não conseguiu, nos últimos oito anos, gizar alternativa exequível, pelo que militam nas suas fileiras apoiantes conformados como o Prof. Vital Moreira e até o Senhor Presidente da República, apesar de garante da defesa da Constituição, é tido como apoiante, pelo que nem como “arma de arremesso político” pensará em suscitar a fiscalização do Tribunal Constitucional — conduzida, com mestria, pelo governo. Esta dificuldade não legitima, contudo, um esforço de “silenciamento” das poucas, mas cada vez mais qualificadas, vozes que, a custo, se vão fazendo ouvir. Não concorda, senhor Director?
Ao ler, ontem, o artigo de opinião, de título acintoso, do seu jornalista Luís Costa, de reacção à classificação do PRAC, incluída na vossa edição de Domingo e proferida pelo senhor Eng° Eurico de Melo, que o apodou de “um enorme disparate”, “ofensivo” e “sem pés nem cabeça”, vi nele, implícita, uma intenção de desacreditação ilegítima, desconforme com o princípio da igualdade a respeitar no tratamento da opinião política e que atenta contra o meu direito a ser informado.
Mas para além disto, a análise apressada, que denuncia aquela intenção, estabelece uma contradição que a destrói, que não à minha inquietação de leitor: não se compreende como podem definir-se como “reacções objectivamente exageradas” — e mesmo que o fossem, que teria isso de subversivo ou antipatriótico a ponto de justificar a indignação do autor? — e como críticas violentas as aludidas declarações de “(…) Eurico de Melo, o ancião ‘vice-rei’ do Norte e antigo braço-direito do anti-regionalista Cavaco Silva”, quando por mais de uma vez se anunciou que o regime pretende ir muito além da relativa inocuidade que Luís Costa não se coíbe de realçar, assumindo um estatuto de circunscrição eleitoral, ou quando se constata que ficará muito aquém do perfil democrático mínimo, quer quanto à transparência e abertura, à sociedade civil implicada, do debate relativo à sua adopção, quer quanto à legitimidade eleitoral directa dos seus órgãos. Pretensamente preocupado com a alegada e desproporção reactiva dos visados pela sua pena alinhada, em vez de aguardar a auto-descredibilização daquela, Luís Costa escolheu o campo, situando-se do lado de uma “legislação (…) tão pouco vinculativa e [que] confere tantas prerrogativas às autarquias que as integram, que a ameaça maior que sobre elas paira é mesmo a sua ineficácia”, quando, na expectativa deste resultado tão medíocre, um pouco de bom-senso aconselharia a rejeição. Ao invés, assumindo uma exagerada oposição a um julgamento adequado a uma reforma tão pouco virtuosa, como resulta da sua apreciação acerca do instituto, patenteou equívocos, que partilha com o PRAC e procurou “condicionar” uma voz que, apesar da clara oposição assumida, acabou por se abster numa votação livre e democrática.
Resta-me uma pergunta: que sabe Luís Costa acerca do PRAC que lhe permite afirmar que este fora arquitectado “pelo secretário de Estado Miguel Relvas, em colaboração directa e estreita com a Associação Nacional de Municípios Portugueses”? Que preparação específica lhe permite emitir uma interpretação autêntica deste quadro normativo que, taxativamente, assegura que visa “tão-somente (…) conferir um novo protagonismo e uma acrescida eficácia à gestão comum dos interesses intermunicipais”? Destes assuntos muito me importaria de ter ciência, já que aproveitaria sobremaneira à minha teoria do golpe de estado autárquico, segundo a qual o poder central é refém da oligarquia municipal.

Sem outro assunto, apresento-lhe, senhor Director, os meus melhores cumprimentos.

P.S. Para fundamentar, ainda mais, a minha convicção relativa ao tratamento tendencioso deste assunto, a edição de hoje do seu jornal cede uma página à propaganda aos benefícios do PRAC, na qual o Senhor Secretário de Estado tem nova oportunidade de ameaçar com alguns fantasmas e de distribuir mais algumas bananas — transferência de competências, fim dos distritos — prerrogativa de que vem dispondo de cada vez que aparecem sinais adversos para a sua reforma, cujo mapa concreto se distancia, inexoravelmente, daquele com que sonhou.