TRANSMONTAR

Dissertações sobre Trás-os-Montes, seu passado, presente e futuro. Idiossincrasia transmontana e visão do mundo a partir deste torrão.

14 dezembro 2003

O papel da oposicao

O papel da oposição no sistema autárquico
Garantia de democraticidade

Da pagela panfletária, autodenominada Agenda Mirandela e do seu número de Novembro último a pretexto do lançamento propagandístico de uma muito útil escola de turismo, retiramos trechos da Mensagem, palavra do Presidente da Câmara da terra e do Editorial, assinado pelo Director, o Vereador da Cultura, Desporto e Turismo, em busca da demonstração despudorada da rendição, perante o fascínio e o feitiço do poder, dos ideais democráticos de fiscalização e liberdade criativa de construção de alternativa de governo, sob a forma da adopção servil e acrítica do discurso do poder e sua divulgação e amplificação ao serviço de uma estratégia assassina das propostas antes levadas a sufrágio:

“Mais uma vez, Mirandela foi contemplada com a localização de um importante serviço público. Depois do Tribunal Administrativo e Tributário é agora a vez do Núcleo de Trás-os-Montes da Escola de Hotelaria e Turismo vir para a Princesa do Tua.”, diz o Presidente da Câmara;

Depois da ainda recente decisão governamental de instalar em Mirandela o Tribunal Tributário, a aprovação do Núcleo de Trás-os-Montes da Escola de Hotelaria e Turismo constitui, sem dúvida, mais uma importante vitória dos esforços da actual Câmara e do seu Presidente em particular”, corrobora o Vereador da C. D. T.;
“A importância desta Escola para a formação e melhoria da qualidade de serviço dos profissionais de hotelaria, restauração e turismo da nossa região é fundamental e relevante, dado papel cada vez mais visível que a gastronomia e a hospedagem têm no desenvolvimento regional e na consequente criação de riqueza.”, acrescenta o Presidente;
“A cerimónia (...) constitui, sem dúvida, um marco decisivo na história do desenvolvimento regional (...) Ora, sem profissionais de turismo competentes e certificados, sejam eles cozinheiros, recepcionistas ou guias, não é possível implantar a tão desejada indústria turística (...) É igualmente no quadro desta estratégia de desenvolvimento que a actual Câmara tem vindo a realizar esforços...”, desenvolve o Vereador;

“Trás-os-Montes era a única região do país que não tinha uma escola pública neste domínio e Mirandela sente-se orgulhosa de a poder receber e assim reforçar a sua centralidade regional. (...)será o reconhecimento das potencialidades e da afirmação cada vez mais evidente da cidade de Mirandela na região de Trás-os-Montes”, sustenta o Presidente da C.M.;
“(...) importante vitória da actual Câmara e do seu Presidente em particular que, mais uma vez, fazem valer as vantagens da incontornável centralidade da nossa cidade.”, transcreve o senhor Vereador, que remata eufórico: “No Turismo se vê a força de Mirandela!”.



O que se pode pensar do mimetismo deste pensamento único? Que se trata da voz «domesticada» do dono? Que, pelo contrário, este, indo para além da mera função de porta-voz daquele, usurpou a fonte do discurso oficial e controla, com mestria de ventríloquo, o protagonismo aparente do ultrapassado mestre, numa inversão absurda de papéis e responsabilidades? Que estamos em presença de uma subliminar e maquiavélica estratégia de poder? Que a democracia está moribunda e ponto final.
O Vereador, candidato vencido à presidência da Câmara, ao aceitar o cargo de Director do panfleto em causa, «institucionalizando-se» como agente da propaganda, hipotecou as suas convicções (se é que as tem!), traiu os que nele votaram e renegou os fundamentos da democracia ao deixar sem representação os que se reviram no seu projecto.
O outro pilar da democracia, representado por uma oposição activa e empenhada nas tarefas de credibilização de uma alternativa de poder por força da apresentação de ideias e soluções diferentes e do cumprimento do seu dever de acompanhamento e fiscalização da acção do executivo, colapsou. Aqui e em toda e qualquer declinação do exercício autárquico, por força do colossal determinismo da força centrípeta desta expressão do poder.
Para cúmulo da nossa desgraça, sendo a publicidade dos actos do poder e da oposição a garantia da transparência e legalidade da acção política e arma eficaz no combate à corrupção, ela não está assegurada pela comunicação social, arrolada no turbilhão aglutinador das várias dependências.


P.S. Os mentores deste projecto editorial fazem questão de conferir destaque de capa ao custo unitário (€ 0,27) da publicação. Não conhecendo as intenções — verdadeiras e profundas, que hão-de ser diferentes das oficiais que, também, desconheço — sempre importa em cerca de seiscentos e cinquenta contos a autopromoção mensal. Transportado para a realidade do mandato, o total do investimento em propaganda, com reflexos evidentes na perpetuação no poder, ultrapassa os € 150.000, retirados do orçamento de uma Câmara — e do usufruto dos munícipes — que não encontrará, com certeza, necessidades alternativas a satisfazer.