TRANSMONTAR

Dissertações sobre Trás-os-Montes, seu passado, presente e futuro. Idiossincrasia transmontana e visão do mundo a partir deste torrão.

08 julho 2003

Universidade de Braganca

Universidade de Bragança
"O ministro adjunto do primeiro-ministro, José Luís Arnaut, arrefeceu anteontem as expectativas quanto à criação da Universidade de Bragança, considerando que 'nem todas as promessas eleitorais são viáveis.' 'Cumprir só por cumprir quando elas não têm viabilidade não chega.'", Público, Local, 3/Jul/2003.

"'Nem sempre as universidades são factores de desenvolvimento. Muito pelo contrário: há sinais de decréscimo de frequência nas universidades do interior do país.'", Luís Arnaut, Público, Local, 3/Jul/2003.

"'Não estou satisfeito nem deixo de estar. Não sei o que o governo quer fazer a esse nível; sei o que Bragança quer e sei qual foi o compromisso do primeiro-ministro.'", Jorge Nunes, Presidente da CM Bragança e da Comissão Pró-Universidade, Público, Local, 3/Jul/2003.

Da leitura da reportagem do Público, ficamos a conhecer a azia que se apoderou dos lideres de opinião e autoridades bragançanos, anfitriões do ministro adjunto do primeiro-ministro, após escutarem o pronunciamento deste a propósito da aludida promessa eleitoral e seu duvidoso pagamento. Consta que chegaram ondas de choque a Viseu, pelo que já se iniciou a autodefesa.
Para lá das infelizes declarações do senhor ministro, que vem provando ter dificuldades de expressão oral das ideias quando opera de improviso e cuja análise deixarei para o fim, interessa-me desmontar a hipocrisia rasteira em que se embaraça a argumentação justificativa de um nobre desiderato que seria a reivindicação do ensino superior universitário.
Para começar, a designação "...de Bragança" indicia o carácter e o efeito locais (paroquiais) esperados; já demonstra em que estádio está o barómetro da consciência da unidade regional da cabeça de distrito. Tal como está o ambiente político regional, pode dizer-se que é regionalista e reivindicativo "para cima" e centralista e monopolista "para baixo".
Depois é preciso dizer que o ensino superior já existe em Bragança e há alguns anos e que já tem, também, expressão noutros centros populacionais da nossa terra (Mirandela e Macedo de Cavaleiros, nomeadamente). E é preciso perguntar se a magna aspiração da capital de distrito se funda no resultado de uma avaliação prévia desta experiência de anos do ensino politécnico que justifique aquela. Será que está esgotada o tipo de resposta fornecido pelo sistema actual? Será que o impacto desta experiência no desenvolvimento regional exige, agora, uma resposta de grau superior? A minha opinião fica implícita...
O que se espera que a universidade traga de tão decisivo que o actual Instituto Politécnico de Bragança não contemple? Uma universidade como factor de desenvolvimento é um investimento num ensino de nível superior e de excelência. Constitui um motor de desenvolvimento induzido pela investigação aplicada localmente. Dá resposta à procura de propostas deste nível de ensino por parte da juventude residente e fomenta o empreendedorismo pela fixação de quadros e pela inovação tecnológica de novas apostas empresariais.
Estas são motivações consensuais, mas, acredito, residuais na escala de prioridades dos promotores pro-universidade, pois os efeitos enumerados não são facilmente mensuráveis e, sobretudo, não são imediatos.
Uma universidade como acessório de concurso de beleza, como trofeu decisivo na competição da feira de vaidades regional ou da luta de galos pelo título de capital do nordeste transmontano não passa de uma despesa que urge travar sem remorso.
O interesse público, colectivo, nacional do investimento na criação de uma universidade tem de resultar da ponderação séria de objectivos, necessidades, alternativas e saídas profissionais com reflexos na qualificação e na dinâmica do desenvolvimento. E não ser forçada por caprichos, promessas eleitorais que valem por escrituras, lobbying regional que vise apenas um acréscimo demográfico artificial, um dinamismo comercial conjuntural pelo aumento do consumo, um aumento do emprego não qualificado (pessoal auxiliar) e dos "tachos", o fomento imobiliário não estrutural ou a resposta aos interesses particulares necessitados de solução para o estagnado mercado do parque habitacional excedentário e devoluto, no que isso tem de clientelar e promíscuo, um aumento de contribuições e receitas municipais não assentes na consolidação da actividade económica, mas como reflexo de uma dinâmica conjuntural, dependente de aspectos externos não controláveis (demografia, por exemplo). Urge disciplinar estas pulsões regionalistas serôdias, baseadas num imediatismo transaccionável de interesses particulares ou corporativos.
Por tudo o que ficou dito, impõem-se o desejo de ver cessados, quanto antes, os tiques bairristas, assentes em interesses particulares ou de casta, travestidos de preocupações universais, desinteressadas, de apelos profundos da sociedade civil, de ímpetos de progresso e modernidade. Vamos apostar decisiva e empenhadamente na contínua afirmação e prestígio da Universidade Transmontana, instituição com história, prestigiada, circunstancialmente localizada em Vila Real, localização esta que em nada belisca ou acrescenta ao seu labor e glória. Assim, é a região toda que aproveita; nada ela ganharia com (mais) uma universidade periférica, sem vantagem comparativa e competitiva para apresentar ao eixo Vila Real/Salamanca, por esta via pouco atractiva na captação dos melhores docentes e alunos, acabando por ver diminuída, a prazo e por escassez de prestígio, a frequência e a viabilidade.
Uma nota para a prestação do senhor ministro: cuidado com a linguagem! Então, se a diminuição da frequência é a conclusão de que a universidade não é factor de desenvolvimento, como compreender que o seu colega do ensino superior congele vagas nas universidades do litoral no intuito de repetir o erro de renovar a aposta naquela por força da transferência de excedentes? São estas desafinações, frequentes no ministro Arnaut, que credibilizam teorias "conspirativas", como a que atribui à congelação das vagas referida um efeito perverso de aumento da procura nas escolas privadas.