TRANSMONTAR

Dissertações sobre Trás-os-Montes, seu passado, presente e futuro. Idiossincrasia transmontana e visão do mundo a partir deste torrão.

27 julho 2003

Mirandela: a PSP de saida

Mirandela: a PSP de saída?

A imprensa noticiou que a concelhia de Mirandela do PCP se avistou com o senhor governador civil de Bragança para, formalmente, lhe manifestar a sua preocupação pelo facto de o governo se preparar para retirar a PSP da cidade rainha do Tua.
Os comunistas mirandelenses, invocando que a razão que justifica a retirada - habitam, regularmente, a localidade menos de onze mil pessoas, abaixo do limiar de quinze mil estabelecido superiormente - não se aplica porque "15 mil pessoas no litoral não é a mesma coisa que 15 mil pessoas no interior" (sic).
Esta tomada de posição partidária obriga o leitor mais exigente a um esforço heurístico de interpretação que poderá passar pelo aprofundamento metodológico das seguintes hipóteses:
A) A matriz climática continental da nossa terra, responsável por tórridos estios, provoca sobre os corpos o efeito físico da dilatação e este o fenómeno responsável por aquela asserção. De facto, 15 mil dilatados transmontanos serão causa de perturbações da ordem pública diversas das provocadas por igual número de banhistas mirrados. Admite-se assistir à revisão desta posição comunista no próximo inverno;
B) A aritmética estatística aceita por boa a contagem das populações pelo número de cabeças que as compõem. Exibirão os transmontanos, por comparação com os cidadãos do litoral, uma desproporção de troncos e/ou membros para igual número de crânios, resultado de um desastre genético, até agora desconhecido e inexplicável, a justificar reforçado acompanhamento policial?
C) Teremos, por aqui, mais carros por cabeça ou conduzirá cada transmontano, simultaneamente, mais do que uma viatura, provocando congestionamentos de tráfego tais e sem paralelo que fundamentem a exigência de uma discriminação positiva do interior?
D) Será, antes, razoável aceitar esta declaração como uma confissão, implícita, do grau de perigosidade ou de um invulgar potencial de superior criminalidade que deva ser assumido e reprimido?
Como receptor da reclamação dos comunistas do concelho de Mirandela, envolta em fenómenos esotéricos (coitado do Entroncamento!), como vimos, o senhor governador civil entrou no jogo da demagogia e não hesitou em exibir, publicamente, a sua oposição a uma orientação genérica e objectiva que condiciona a decisão do governo que o investiu e de quem é representante. Ficamos, por ele, a saber que em Mirandela se concentra - aos fins-de-semana, todos os fins-de-semana, de verão e de inverno, faça sol ou chuva, neve ou geada - cerca de 10% de toda a população transmontana; ou que cada mirandelense, crianças incluídas, convida, naquele período, quatro familiares ou amigos para sua casa (já que a inústria hoteleira local não tem capacidade de resposta); ou que, naquele momento da semana, repetido cinquenta e duas vezes por ano, tem lugar a usual romaria de devotos de santo ignoto.
Eis, portugueses, uma cidade do interior esquecido que, de acordo com a autoridade máxima distrital, aos sábados e domingos, todos os do ano da graça, vê quintuplicar a população residente. Justifica-se a esquadra para ordenar este balão caprichoso? Claro que sim. E justifica-se ainda mais, como não me cansarei de repetir, a figura e a função de governador civil.
Tudo demagogia, só demagogia politiqueira barata, populismo e serviço sindical ao serviço de uma causa corporativa fardada ou mercantil.
Estou cansado de assistir a estas lutas mesquinhas, miudinhas por coisa nenhuma. Persistimos em procurar discriminação positiva à custa de argumentos menores, em vez de procurarmos concentrar-nos, apenas, no que é essencial para vencer a dura batalha da recuperação do proverbial atraso. Há-de estar estudado, objectivamente, o rácio de polícias por habitante. Aplique-se! Há-de faltar tanta coisa que possamos fazer por nós antes de reclamar-mos de outras instâncias... Uma dessas coisas há-de ser elevarmos a qualidade da nossa função intelectual; outra será impedir que gente sem um elevado padrão intelectual, técnico e profissional nos represente ou implique; ainda outra, desejável, implicaria desenvolver capacidade de atracção de quadros e de rivalizar com outras regiões na captação de intenções de investimento.
Não me conformo com a realidade que passa diante dos meus olhos, feita de mediocridade, pequenez intelectual, inveja, compadrio, sem visão e sem projecto para definir o seu papel de dignidade e protagonismo na elite e na vanguarda do concerto das regiões que tecem Portugal e constróem a Europa. Se quero dar o meu contributo, tenho de meter as mãos na merda que é a actualidade da minha terra. Tenho que ajudar a destruir o quadro mental da elite dirigente: social, política e religiosa; denunciar a falta de qualidade da sua acção, a sua demagogia e o seu cálculo político, a sua arrogância e o seu desprezo pelo verdadeiro progresso e bem-estar colectivo. Devo estoirar as grilhetas da menoridade da nossa opinião pública, reclamar o contributo cívico dos nossos irmãos emigrados, interna e externamente, mas apenas daqueles que do fatalismo se libertaram e são hoje respeitados pela excelência da sua intervenção académica, profissional ou empresarial em nome da salvação da nossa região e do país.