TRANSMONTAR

Dissertações sobre Trás-os-Montes, seu passado, presente e futuro. Idiossincrasia transmontana e visão do mundo a partir deste torrão.

07 novembro 2003

Afericoes

Aferições #2

Sob o título "A terceira via do poder local?", Vital Moreira discorre, nas páginas do Público, acerca do impacto social e político decorrente da instituição das novas estruturas intermunicipais.
Para além da recusa de novidade na introdução desta nova "geometria da administração local autónoma" que o autor se esforça por documentar - por outros motivos, também nós desmontámos, aqui, a pretensa novidade e concluímos assim que se trata, tão somente, de elevar a outro patamar o palco das guerrilhas e rivalidades dos galos costumeiros -, interessa-nos passar, directamente, para as conclusões que extrai do seu labor analítico e aproveitá-las para avaliar a calibragem da nossa pena empenhada na denúncia dos pecados capitais do novo regime.
Embora considerando que o "intermunicipalismo", essa "consequência do esgotamento dos municípios para receberem novas atribuições isoladamente", acabará por se esvair como "capacidade descentralizadora", sem resposta para "tarefas públicas de maior escala", impondo-se, então, a inevitabilidade adiada da regionalização - a fraca fé manifestada assemelha-se à nossa reiterada oposição ab initio assente na inutilidade, que o articulista admite na futura superação, deste compasso de espera, a justificar, desde já, um modelo de REGIONALIZAÇÃO CENTRALIZADORA nos moldes assumidos aqui - o constitucionalista antecipa "efeitos nefastos em termos de coesão territorial", em resultado da implementação da reforma. Nada que não tenhamos concluído já nos textos de análise do processo em curso em Trás-os-Montes, nas Beiras, no Minho, no Vouga ou no Oeste. O caso do cisma duriense e as deserções prováveis nas terras de Basto são os casos que mais nos têm preocupado.
Outro exemplo do cepticismo que condiciona este parecer do professor de Coimbra ressalta da previsão de um "agravamento da assimetria da divisão do território entre nós, acrescentando mais uma circunscrição plurimunicipal às muitas já existentes, as quais, sobrepostas umas às outras, geram uma verdadeira cacofonia geográfica. O mais provável é que a divisão territorial se torne ainda mais confusa e descoordenada do que já é hoje". Disséramos a mesma coisa ao ajuizar que o confuso organigrama composto de CCDRs, Grandes Áreas Metropolitanas, ComUrbs, Comunidades Intermunicipais, federações de Associações de Municípios, Associações de Municípios e estes propriamente ditos, formam uma complexa teia de competências e atribuições partilhadas, comuns, sobrepostas, duplicadas, indiferenciadas, constituindo uma imensa mancha cinzenta de disputas permanentes e rigidez burocrática asfixiante. Quando o quadro de competências de uma estrutura é secante com o de outra de grau superior ou inferior e quando os mesmos agentes têm reserva de assento em todas, o que se pode esperar desta conflitualidade de papeis? A ingovernabilidade regional está instalada e, com ela, a ineficácia da acção política.

06 novembro 2003

Autarquias e despesa publica

As Autarquias e a Despesa Pública

Acompanho e aprecio a "retórica argumentativa" empregue pela Tempestade Cerebral. Olha a realidade com filtros económico-financeiros e sabe, como poucos, fazer chegar ao leitor comum as demonstrações, por vezes complexas, da "mecânica" da economia aplicada. É a Brainstorm que quero homenagear, fornecendo-lhe mais este exemplo da vida real e a oportunidade de o "trabalhar".
Fernando Ruas, presidente da Câmara de Viseu, anunciou a instalação de um funicular nesta cidade (o reflexo imitação, evidenciado em projectos-bandeira, condiciona grande parte dos planos de actividades dos municípios portugueses. Mirandela quis "colocar-se no mapa" à custa do projecto metro de superfície que se orgulhava de ter executado por ultrapassagem operada ao Porto, incubadora de tal ideia; daquela nossa cidade foi "exportada" tal solução para Coimbra, muito por força da migração do candidato autárquico que nos deixou para tentar nova experiência na "rainha do Mondego". Viseu, metrópole complexada, falhou o EURO '04, mas, não obstante, saciou ânsias de protagonismo no seu Fontelo; já aderira à moda dos pavilhões multiusos, oriunda da Lisboa oriental e não está só nesta opção muito fashion; ao Porto vai buscar a escolha mais recente, da qual nos ocupamos por agora. Espera-se e deseja-se que a emenda seja melhor que o soneto). Este é coiso - podia ser teleférico, como na Penha ou elevador, como no Castelo de S. Jorge - para orçar os € 4.800.000 (!?!...) e está previsto que opere ao longo de um percurso de 400 metros (€ 12.000 / m). Prevê-se que o preço dos bilhetes será "quase simbólico", pois "não andará além dos 40 ou 50 cêntimos" (9,6 a 12 milhões de passageiros para pagar o investimento, sem contar com os custos operacionais!).
A montagem financeira de cobertura da operação estruturou-se do seguinte modo: 70% (€ 3.360.000) do investimento total (ou despesa completa?) serão assumidos pela União Europeia (UE); dos restantes 30% (€ 1.440.000), o Estado desembolsa 60% (€ 864.000) e à Câmara caberá liquidar os remanescentes 40% (€ 576.000), equivalentes a 12% do custo total do projecto.
Fernando Ruas, presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses, economista, não se cansa de apregoar, com razão, como parece provar-se, que os municípios são responsáveis por 15 % do investimento público e por apenas 2% da dívida nacional. Mas esta falácia "milagreira", que tanto tem rendido em veneração e respeito subalterno à máfia do municipalismo (interpretação livre do pensamento da senhora Procuradora do Ministério Público, Drª Maria José Morgado), não resiste a estas desmontagens. O venturoso investimento autárquico não goza de nenhuma obscura alavanca económica de efeito multiplicador, mas vive, isso sim, de uma condição de privilégio - inconfessado, injustificado e indesejável - que lhe rende fama e proveito líquidos e lhe permite a delegação de encargos e responsabilidades próprios em instâncias terceiras, UE e Administração Central, num exercício tolerado de titularização da despesa.
A geringonça entrará ao serviço em 2005 e, segundo o "investidor" Ruas, "se fosse hoje, o funicular não se justificava, mas daqui por dois anos, com o Fórum, a Feira de S. Mateus requalificada e com o parque de estacionamento, vai ser mesmo necessário".
Ainda sobram estas perguntas: quantas prioridades se justificam hoje e acabarão ultrapassadas por estas de justificação adiada? Quantas necessidades inadiáveis assistem, impotentes, à promessa de um financiamento a posteriori, enquanto outras, carecidas de premência actual, exibem, garbosas, caução prévia? Quanta desta tensão, resultante da valoração discricionária de prioridades, será determinada, exclusivamente, por critérios de gestão do calendário eleitoral e não já pelas nobres e desprendidas exigências ético-funcionais de "serviço público" em favor da comunidade?
Em 2005, ano eleitoral autárquico, Viseu achará explicação e muita graça ao funicular, ao Fórum e à Feira de S. Mateus. A Câmara exibirá, orgulhosa, a sua obra, explicará a genialidade da multiplicação dos pães conseguida e assistirá à renovação da sua legitimidade política conferida por todo um povo reconhecido.
Municipalismo, sempre!

01 novembro 2003

Convoquem o povo

Convoquem o povo

Há dias, a imprensa noticiava a oposição dos empresários nordestinos às divisões regionalistas que o novo modelo de reorganização administrativa está a provocar nesta fase embrionária de implementação, no terreno, da verde reforma Relvas. Juntamente com outras vozes da sociedade civil sondadas, sustentem a unidade regional e censuram a ilegítima vontade de determinação do futuro do nordeste transmontano que os autarcas estão a protagonizar nas costas das populações.
Dias depois, na passada sexta-feira, 24 de Outubro, reunidos, restrita e "secretamente", os presidentes de câmara que integram a Associação de Municípios de Trás-os-Montes e Alto Douro [(AMTAD): curiosa a fonética desta sigla - a metade - de tão mentirosa aguarda-a um triste fim: constituída para unir, desde o baptismo que preanuncia a divisão e o separatismo que a está a dilacerar], liderados pela looser Bragança, combateram uma derradeira e desesperada tentativa de impor uma única comunidade urbana (ou área metropolitana?) representativa de todo o nordeste, por oposição à decidida estratégia separatista alguns municípios ribeirinhos do Douro mais Vila Real.
Apesar dos pareceres encomendados pela metade que nunca terá sido o todo - advogando a aposta no aproveitamento pleno das possibilidades abertas pelo processo de descentralização encetado, que pressupõe a criação de uma só comunidade e a rentabilização do "considerável" peso territorial, demográfico e, portanto, político "determinante na defesa dos interesses da região e reivindicações face ao estado central" - favoráveis às pretensões de constituição de uma única e una superestrutura, convicta e insensível a winner Vila Real e seus pagens exibiram uma convicção suficiente para levar por diante a sua estratégia: marchar em direcção à comunidade urbana do Douro e em força. O rei de Vila Real alegre, Manuel Martins (MM), não se coibiu de exibir o argumento justificativo da velocidade (ai circuito, ai, ai!): assegurar o financiamento do Orçamento de Estado (OE) à instalação e funcionamento em caso de constituição até 31 de Dezembro próximo.
De facto, o senhor Primeiro Ministro, Dr. Durão Barroso, anunciara um "prémio" de 25% de crescimento das transferências do OE para as novas áreas metropolitanas e comunidades urbanas a inventar até 31 de Março do ano da graça do EURO. Que melhor banana se poderia servir para pôr a saltar a macacada?
Esclarece-se que aquele anúncio foi proferido em Évora, a 22 de Outubro, no âmbito de uma conferência promovida pela Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), tendo o bem intencionado Dr. Durão Barroso defendido a necessidade de "restaurar a confiança nas autarquias locais", quiçá cansado que está de ouvir zurzir nelas a senhora ministra das Finanças e na sua equipa. Devo dizer que não me comovem estes exercícios de cortesia e de encenação que só aproveitam ao lobby autárquico que com eles engordam o dossier de recortes de imprensa, comprometedores, a posteriori, para os governantes de verbo incontido. Importante aqui é a majoração oferecida aos vencedores da "corrida dos campeões" que é a designação asada para a veloz e silenciosa revolução desenhada para o mapa político português. Aqui reside parte importante da leviandade dos criadores, mentores, instigadores e agentes colaboracionistas e beneficiários exclusivos desta tragicomédia: se há característica que uma reforma, tão profunda como estes senhores pretendem que esta seja, terá que valorizar, não será ela a velocidade na sua adopção. Velocidade e precipitação são irmãs gémeas e, quase sempre, coabitam - no infantário, enquanto fedelhos; na política, em idade adulta. Ponderação, prudência, abertura de espírito, sentido crítico e capacidade de diálogo, qualidades distintivas de um genuíno espírito reformador, não parecem merecer atenção nem reconhecimento.
O poder mercantil do dinheiro, que se insinua nos prometidos projectos turísticos para o Douro ou se afirma na declaração governamental, dissolve valores e promove as dissensões separatistas, assentes na ideia enganosa - e única ideia - de capitação mais favorável. Nestas conspirações traidoras se jogam, cinicamente, todas as solidariedades, a lealdade e a coesão seculares e expectativas de um destino comum.
Enquanto formulo estas lucubrações, no anseio de fazer escutar a minha voz, trinta e cinco dos trinta e seis presidentes de câmara da região sustentam a legitimidade exclusiva para decidir as escolhas dramáticas que estão sobre a mesa. A excepção meritória chega-nos do município de Chaves que, numa inédita e lúcida iniciativa de fomento da participação cívica nas decisões do executivo, instituiu um encontro mensal de debate a que chamou "Voz ao Munícipe" e para onde "transportou" a questão deste processo de descentralização.
Já antes e neste espaço aludi à eventual inconstitucionalidade destes institutos, defendida por certa doutrina, conhecida de Sua Excelência o Senhor Presidente da República, a justificar uma apreciação em sede de fiscalização sucessiva (justificada e oportuna porquanto vivemos tempos de revisão constitucional em que estes assuntos deveriam ter o destaque e a importância que merecem e a solução prévia que se exige). É hora de reclamá-la insistentemente, enquanto os efeitos nefastos se não manifestarem em todo o seu esplendor. É hora de afirmar uma oposição firme à atitude dos executivos camarários que, de forma ilegítima por exorbitar o programa sufragado e o mandato conferido, estão a decidir por nós o nosso futuro. Em momento algum foi solicitada ao povo aprovação para tais projectos, logo não poderão os protagonistas em causa levá-los a efeito sob pena de usurparem soberania e forjarem competências que lhes não foram outorgadas pelos que representam. Terá sido MM mandatado pelos vila-realenses para promover alianças supramunicipais que renegam a herança cultural transmontana (para cá do Marão..., lembram-se?), que alienam a histórica liderança política na qualidade de reconhecida capital, de facto, de Trás-os-Montes? Terá este iluminado obtido procuração das populações dos concelhos promitentes aliados para as representar, centralizar e liderar a gestão de recursos e competências que afectarão as suas vidas doravante? E terão estas populações sido chamadas, em algum momento, a conferir total discricionariedade aos seus eleitos para decidirem, por elas, integrar tais tipos de estruturas administrativas que representarão, na prática, uma alienação de autonomia e poder na gestão de recursos, oportunidades e modelos de desenvolvimento? Terão todos os infelizes habitantes deste artifício político emergente concordado e aprovado, depois de suficientemente informados e esclarecidos, uma eventual diluição, qualitativa e quantitativa, da sua soberania delegada no quadro da democracia representativa em que vivemos, que se verificará no caso da deriva, provável, para novas circunscrições eleitorais de substituição dos actuais distritos? São questões que, mutatis mutandis, se "exportarão", com propriedade, estou certo, para outras situações análogas e outras geografias, obtendo, invariavelmente, respostas negativas.
Embora não considere ser de todo impossível que estas questões, nunca postas, venham a ser referendadas, não desejo que o eventual debate e esclarecimento venha a ser inquinado por opiniões asininas, tais como: "os nossos montes cá em cima não têm nada a ver com os vinhedos do Douro. Não há nenhuma proximidade entre a mentalidade dos transmontanos e a dos durienses. Porventura somos mais parecidos com os alentejanos", um pároco flaviense (que merece que se lhe dedique uma jocosa anedota da planície ou uma...à Bocage); "há uma grande diferença agro-ecológica entre as duas regiões que se reflecte na ocupação do espaço e em diferenças culturais. A terra fria é a terra da castanha e da batata, a terra quente do azeite e do vinho", Dionísio Gonçalves, presidente do Instituto Politécnico de Bragança (se fossemos assim tão próximos dos alentejanos, saberia que dieta alimentar receitaria aos autores de tão doutas asserções: bolota!).
Não abdico de lutar pela denúncia destas conspirações insanas e de reclamar legitimação democrática renovada para levar por diante ou interromper tais delírios.