TRANSMONTAR

Dissertações sobre Trás-os-Montes, seu passado, presente e futuro. Idiossincrasia transmontana e visão do mundo a partir deste torrão.

28 maio 2009

Tomar a Bastilha urge!

Admiro e solidarizo-me com a coragem do José Manuel Fernandes ao torpedear a torre de marfim da magistratura portuguesa. Disparos certeiros como este acabarão por derrubar os paralisantes resquícios entrincheirados do ancien régime de que precisamos, desesperadamente, de nos libertar.

Quantas condenações, em instância judiciárias internacionais, averbaram as doutas decisões proferidas pelos Senhores Juízes Conselheiros? Preciso de perguntar a essoutro distinto português, Dr. Teixeira da Mota.

Onde estavam estas veneráveis personalidades no dia 24 de Abril de 1974? Quantos foram saneados, no turbilhão revolucionário que se seguiu, por necessidade de substituição de uma Magistratura servil? Quantos se “reciclaram” para resistir e sobre eles e à custa da blindagem corporativa refeita assentarem uma jurisprudência reaccionária?

26 maio 2009

Um Parente Inconveniente

Uma certa manifestação de estudantes e professores, em Caracas, no final da semana passada, contra as políticas de desinvestimento no financiamento do ensino superior e, mais subsidiariamente, contra a ditadura chavista.

As duas organizadoras associadas – a Federação dos Centros Universitários e a Associação de Professores da Universidade Central da Venezuela – têm uma longa tradição de independência face ao poder político e mesmo de activismo contra as históricas ditaduras venezuelanas, como aconteceu em 1928 e em 1958, cuja luta contribuiu para pôr termo ao regime militar de Marco Pérez Jiménez.

Apesar da vigilância policial fantoche que, alegadamente, garantia a segurança dos manifestantes, aconteceu a usual intimidação, sob o terror dos disparos de atiradores furtivos.

Um dia depois, ficámos a saber que, lá pelo paraíso do bolivarismo, a liberdade de imprensa definha por estrangulamento. Manobras intimidatórias e mistificadoras, visando quebrar a coluna vertebral da independência e do dever de informar, procuraram desmoralizar e desacreditar director de um canal de televisão “hostil”.

Se não fosse a esclerose ideológica que há muito se evidencia nas reacções epidérmicas tresandando a antiamericanismo primário que se apoderou de ex-paladinos das liberdades, ex-lutadores pelos direitos individuais, ex-activistas pelo pluralismo e das lutas académicas, a estas horas, tais almas generosas viveriam um despertar ruidoso de condenação. Assim, de dentro do ruído pesado do silêncio comprometido, ouso pedir ao Director do “Público” o favor de provocar o sobressalto inconveniente que liberte a genuína e pronta indignação acorrentada pelas lealdades recentes e traiçoeiras dos Soares, dos Martins, dos Alegres, dos Louçãs e outros, a fim podermos aconchegar-nos à justa e contundente condenação da actualidade caribenha.

22 maio 2009

Ajudas contra a Crise v400.0

Há poucos dias, o Primeiro-Ministro (PM) anunciou o pacote de apoio às PME’s v4.0.

Declarou, ufano, que se contavam por 25 milhares as empresas até então beneficiadas.

Este apoio gradual, calculista e mediocremente eficaz, se bem que poupadinho, não elege mais que 7% daquele tecido empresarial (ou menos se este universo se situar no milhão de empresas, como assegura o INE) ou, como assegura o FMI, não representa mais que 1% do PIB. Já o apoio ao sector financeiro, entre garantias e apoios directos, atinge os 14,4%, segundo a mesma fonte.

Um eloquente exemplo da eficácia desta parcimónia a conta-gotas está patente na escalada abrupta do desemprego. Aliás, neste campo particular do conjunto das políticas sociais de última geração, como tanto gosta de apregoar o PM, os apoios concedidos evitaram o aumento de 140.000 para 181.000, de Março de 2008 a Março de 2009, do número de desempregados sem direito a receber a correspondente prestação. De 35% do total dos desempregados, subiram para 38% os excluídos do subsídio.

Com esta resposta gradualista a uma “crise sem precedentes”, o governo só revela incapacidade de avaliação e de estratégia. Com planeamento de merceeiro, sem menosprezo por esta casta de comerciantes, reactivo e desproporcionado, o executivo revela-se apostado na cura natural da maleita, por efeito da passagem do tempo. O organismo socioeconómico lá recuperará a saúde com a ajuda induzida por estes placebos.

República das Arábias

Quando se começou a construir a explicação oficial e conveniente para a actual crise, até o mais alto dignitário da Nação se afadigava a denunciar as responsabilidades de gestores, mais os seus obscenos salários. Daí até ao aproveitamento sindical na edificação de um clima intimidatório, persecutório e inquisitorial foi um brevíssimo passo.

Tal como nós, os portugueses somos competentes a governar casa alheia, também os nossos representantes são exímios em talhar soluções para corrigir o ganancioso mundo empresarial privado, alfobre de todas as pragas, que, “esbanjando” como entende, despende, apenas, o que é seu, o valor que soube criar. Curassem, antes, os nossos governantes de arrumar a casa própria, cujas despesas no-las apresentam para liquidação no tempo presente e no futuro.

Hoje reeditou-se o episódio do salário do governador do Banco de Portugal, cujo montante só é ultrapassado pelo de outros dois felizardos em todo o mundo.

Tolerar esta escandalosa desproporção – de riqueza das nações e da competência e eficiência profissionais tantas vezes postas em causa nos últimos tempos -, um dia mais que seja, diz tudo da solidez moral, da honradez dos titulares de cargos políticos (i)responsáveis. Abrir a boca para lançar anátemas sobre os gestores privados enquanto este quadro se mantiver é hipocrisia a justificar interminável e veemente repúdio.

19 maio 2009

Depu(r)tado

Precursor e ideólogo da Resistência, mereceu o meu bookmark atento com o célebre discurso de Abril claustrofóbico.

Compreendo que para quem vem de V. N. De Gaia – como para o outro ligado a Valpaços ido uns anos antes – Bruxelas seja encarada como uma rara oportunidade. Até compreendo (mal) uma certa dose de cálculo interesseiro que precipite a aceitação do convite. Do que não há dúvida é que a partida empobrece o país e esta espécie de democracia lúgubre e desesperançada. E é igualmente certo que não regressou um único estadista de todas as promessas que partiram e a Europa burocratizou.

Mais do que a rede autarquias Europa, cujo intuito não descortinei na entrevista, mas que me indiciou uma tentação e influências municipalistas que só posso lamentar, elogio a coragem de quem se assume católico, daquela categoria, um pouco incoerente, dos desalinhados ou progressistas. Tendo, contudo, a juntar-me a ele na reclamação do fim da discriminação feminina no seio da Igreja institucionalizada. E neste domínio, as leituras Paulinas que anda fazendo são uma fonte de curiosidade. Dr. Paulo Rangel, venham daí as referências bibliográficas, por favor.

18 maio 2009

DÉFICE FUNDACIONAL

- Que é que temos de dar às plantas, além de carinho e de regá-las? – pergunta a professora.

- Luz, senhora professora. – responde o aluno de forma tímida e sem se fazer ouvir junto da mestra.

- Temos de dar-lhe luz, professora. – irrompe decidida e intempestiva a pequena Inês, apropriando-se da resposta e o acanhamento do colega.

- Certo. Muito bem, Inês! – remata a professora, caucionando o oportunismo.

Depois de retirar a senha que me atribuía o número de ordem e me indiciava o tamanho da espera, resguardei-me, atento, numa das extremidades do longo e cobiçado balcão da peixaria.

Um exército de impecáveis e diligentes fardas brancas amanhava peixe e despachava freguesia com profissional frenesim.

A meio da longa impaciência, o painel electrónico pingava o meu número e autorizava o berro estridente da alheada peixeira. Inibido de lhe retorquir com equivalente volume sonoro, cumpria um frenético aceno e procura anunciar-me num tom de voz civilizado, mas inaudível para aquele tímpano treinado para captar a proverbial vozearia de apinhada lota.

Convoca a peixeira o cliente seguinte que se apresta; segue, de imediato, o atendimento do dito ocasional e aproveitador colega de formatura. À minha já descomposta reclamação, suspende-se, de súbito, a indevida ultrapassagem. Juras de inocência justificam o breve recuo táctico por parte do finório. A peixeira, essa prossegue o amanho, aparentemente desinteressada da disputa. Segue-se um tíbio e inconsequente gesto de cedência, mais protesto, que o serviço estava praticamente terminado e que não valia a pena tanta algazarra...

Pois não, acato resignado. Com povo assim só o cogumelo atómico por sobre aquelas cabeças, o big-bang inicial, concluo em resmungo abafado.

Independentemente do estádio de desenvolvimento pessoal, a vida social dos indivíduos requer paradigmas comportamentais, modelos de conduta inspirados por valores éticos, personificação desses arquétipos filosóficos, faróis morais inspiradores das escolhas pessoais no palco social.

Protagonistas de primeira grandeza, tanto para o aplauso, quanto para o apupo, menos para a exaltação, mais para a pateada, apresentam-se os actores políticos. Todos os seus gestos são analisados, os pensamentos perscrutados, as intenções – as primordiais e as segundas – adivinhadas. A sua representação a todos diz respeito, sobre todos se estendem os efeitos dessa acção. De forma directa, o constrangimento legislativo abstracto e datado; indirectamente, as influências bebidas nos traços de personalidade, aferidas na justeza das decisões, na clareza do interesse geral a salvaguardar e nos quadros morais e filosóficos que as enformam.

Dependentes do sentido destas influências, o acatamento ou a rejeição da desejada bondade do quadro normativo regulador da interacção social medem o estado geral da saúde social, decisivo para a validação do estádio de bem-estar civilizacional, de desenvolvimento e coesão da sociedade sustentável e solidária.

Vem isto a propósito de uma recente entrevista, concedida ao Público pelo bispo D. Carlos Azevedo, em que o tema da regulamentação da Concordata emergiu. É reconhecida a má vontade do actual Governo em relação à Igreja Católica e todas as suas emanações, o que, associado à vertigem pelos “temas fracturantes” da matriz cristã da sociedade conduzem a um quadro geral de hostilização deliberada e metódica daquela.

Pactuar livremente, condicionar, artificialmente, a produção de efeitos do que se aprova e ratifica e suspender a aplicação do que não se revogou indicia reserva mental ou má-fé.

Tenho para mim que este limbo é para manter até aos resultados do pleito outonal e, contrariamente à disposição optimista do Senhor Presidente da Comissão Episcopal da Pastoral Social, suponho que o Governo ocultará, até àquele momento, a intenção de anular todo e qualquer compromisso, à luz dos princípios republicanos de um Estado que se quer laico. Mas logo após e com a renovação da legitimidade democrática por que anseia, rasgará, a Concordata e lavará as mãos perante quaisquer outros compromissos confeccionais (capelanias...). O estado de crise social em que a Igreja é um parceiro, simultaneamente, facilitador e incómodo, requer perícia negocial na gestão de expectativas, frustráveis sem remorso a partir de Outubro.

Receber em nossa casa e negociar com regimes corruptos e desrespeitadores dos direitos humanos da Ásia, África lusófona, América Latina ou outras latitudes, em nome dos sacrossantos princípios da realpolitik, exigir diligência no cumprimento das obrigações dos cidadãos perante o Estado leonino que negligencia a reciprocidade perante aqueles e seus interesses e direitos, orientar o desempenho de cargos públicos de acordo com as conveniências pessoais futuras são outros exemplos que fomentam o relativismo moral que nos mantém a divergir de sociedades maduras e civilizadas.

Quem quantificará este deficit fundacional? Quantos milhões de desperdício e ineficiência, de negligência e fraude, de delapidação e de apropriação indevida se ligam a esta histórica desconfiança mútua, qual o custo desta deseducação?

12 maio 2009

Como a teia de Penélope

Já não bastava as previsões impiedosas dos últimos dias, que ainda tínhamos de passar pela irracionalidade eleitoralista em tempos negros como estes.
A recente entrevista de Obama ao New York Times revela toda a sua determinação reformista, só possível pela circunstância politicamente virgem do empossado, conjugada com a utilização generalizada da carta-branca com dispensa de caução negocial sufragada maioritária e confiadamente e utilizada na implementação determinada do se portfolio de medidas anticrise.
Contrariamente ao contexto americano, até na desventura estamos em contra-ciclo político, o que parece ser definível como uma marca d’água da nossa jovem aventura democrática.
Surpreendido pela ameaça que lhe fragiliza o flanco esquerdo, o governo desmultiplica-se em concessões ideologicamente marcadas até aos limites burlescos do anacrónico, no intuito de suster a hemorragia daquela falange social de apoio.