TRANSMONTAR

Dissertações sobre Trás-os-Montes, seu passado, presente e futuro. Idiossincrasia transmontana e visão do mundo a partir deste torrão.

29 junho 2009

A Lista de Rui Tavares

Mais do que reafirmar, pela enésima vez, o trunfo decisivo de criação e defesa da sua galeria de notáveis profetas, que, do deserto, clamaram, sem êxito, o prenúncio da Crise; mais que reafirmar ad nauseam o critério apertado de admissão a este restrito clube, qual seja a resposta que temos para a pergunta “o que fez antes de o doente morrer?”, Rui Tavares deveria empregar o tempo a preparar-se para o desgosto e o azedume com que irá receber, em breve, a notícia de que as terapias que receita não são inevitáveis e não vão ser aplicadas como ele tanto desejaria.

É que, excluindo o modelar paraíso latino-americano que os Tavares desta esquerda torta tanto gostariam de ver exportado, o mundo civilizado acabará por superar a crise aprofundando e melhorando a economia de mercado e o primado da livre iniciativa. E Portugal – cúmulo das ignomínias – dará um sinal de convergência com esta tendência irreversível já a partir de 27 de Setembro.

E quando todas estas previsões se confirmarem, lá integrarei a lista das bêtes noir, magos do capitalismo triunfante, cujo curador interessado será o Dr Rui Tavares.

25 junho 2009

A First Second Life

Milhões de litros de tinta terão sido consumidos na denúncia do défice de legitimidade democrática das instituições europeias. A ratificação de tratados pela via indirecta dos parlamentos nacionais, as nódoas negras francesa, holandesa e irlandesa como entraves ao progresso acelerado de integração terão alcançado a maior unanimidade na crítica à falta de transparência e de democraticidade. Tal oposição justificaria o alheamento dos europeus em relação àquele processo, evidenciado, por estes dias, pela massiva abstenção verificada.

Recentemente, no balanço da refrega eleitoral, li mesmo que se devia abandonar o temor da divergência e do impasse na apreciação das questões substantivas ou estruturais para a regulação da vida comunitária: se nos abstrairmos da polarização nacional, o que quer que se coloque diante dos europeus do norte, do sul, do leste ou do oeste, dos cidadãos da União, produzirá efeitos a partir da aprovação por maioria simples.

Considero aquele esforço contestatário, bem como esta engenhosa tentativa de superação (como apreciá-la num estádio de maturidade política aquém da coerência e coesão de uma construção federal?), um esforço intelectual ingloriamente empenhado.

No actual estado da arte, olho a construção europeia como A fantástica first Second Life. Ao não hipotecar a especificidade da dimensão nacional para fundi-la numa superstrutura estadual, não foi, ainda, superada (e quais as razões para dever sê-lo?) a matriz, politicamente redutora, mas economicamente relevante, de marketplace, de montra de interesses, competências, influências...

Dois planos distintos que repugna pensar que se confundam. Interceptam-se permanentemente, é certo; pode viver-se ora dentro, ora fora daqueles dois universos bem distintos; produzem-se interacções com efeitos relevantes para os modos de vida que se desenvolvem em ambas as plataformas; constroem-se interdependências que inviabilizam qualquer ideia de ruptura ou negação desta dicotomia de mútuo benefício.

Apesar desta inevitabilidade em aprofundamento permanente, não se vislumbra o momento da metamorfose definitiva, da alienação sem retorno a caminho da condição de avatar.

Esta imersão incondicional no plano virtual desmaterializaria o arsenal normativo nacional que tantos entraves, avanços e recuos e atrasos competitivos traz à coesão social, económica, política e da representação externa comuns, mas representaria, também, a dissolução do enquadramento mental e simbólico que resulta das idiossincrasias individuais. Quem quer dar esse mergulho?

23 junho 2009

Martim, de Cascais ou de outras terras mais

As instituições portuguesas actuam de radar sempre assestado ao instável clamor da opinião pública.

Mais do que blindar-se para decidir de acordo com os princípios decantados pelo Direito, as instâncias jurisdicionais (e outras que, para o caso vertente e por ora, se poupam) não prescindem da antena que as liga à conjuntura e suas tendências.

O caso “Esmeralda/sargento” deixou, nos observadores descomprometidos, a ideia nítida do osciloscópio decisório em perpétuo movimento. Permitiu, igualmente, fixar a tendência conjuntural da prevalência dos laços de sangue na atribuição da guarda de menores. Esta inclinação deveria registar o nível de apoio ou tolerância social maioritários no observatório permanente respectivo, pelo que não espantou a opção, por este entendimento, tomada pelo Tribunal da Relação de Guimarães, no caso da menina repatriada para a Rússia.

Mais do que alterações substantivas bruscas que o Direito e sua lenta sedimentação não admitem, foram as circunstâncias externas, relativas à condição indigente da mãe biológica, que determinaram o fragor da cruzada condenatória que recaiu sobre a decisão. Por ajuste de contas e receio de reedição de escândalo público, adivinhava-se que a balança voltasse a pender para o lado do poderoso lobby do instituto da adopção.

Apanhado nesta contracurva da casuística dos interesses, o Martim, de Cascais, é oferecido em sacrifício. É o refluxo dos interesses federados do mercado da adopção, mascarado de cavaleiro andante dos supremos interesses da criança, em todo o esplendor da sua virulência que está para durar. Bastarda da quebra de fertilidade, a ganância adoptiva, no seu egoísmo e intolerância, renega o meritório papel supletivo de amortecedor de tensões sociais num contexto de natalidade para além dos recursos, para pairar, predadora, como ameaça latente sobre todas as famílias e suas vicissitudes.

Munidos da arma letal da avaliação das condições objectivas de garantia do ambiente ideal para o desenvolvimento harmonioso da criança, o poder de império do Estado salomónico decreta, inapelavelmente, o primado do desafogo material de que tem de se fazer prova. Lamenta-se que os meticulosos agentes desta Opressão Pública não se lembrem do seu próprio contexto social de infância, território poético onde a aludida objectividade implacável remeteria à adopção compulsiva, a favor de sociedade mais generosa em pedoconforto, a generalidade dos seus colegas de carteira, cúmplices de traquinices.

Ao comportamento abnegado e tenaz da Ana Leonardo só gostava de colocar duas questões. Uma, para medir a profundidade da dor moral infligida pela tirania com alvará; a outra, para apurar o grau de resistência do amor maternal, o único critério que me move e comove: que inventário te forçaram a reunir para convencer o Meritíssimo Juiz (a PlayStation releva?) e comover o voyeurismo da praça pública? Que motivações para a luta vais apresentar, no silêncio de um sombrio futuro, ao amado Martim, que Deus quis que gerasses em tempo impróprio?

Na antecipação das respostas, não duvido da conveniência da primeira nem da sinceridade da segunda.

Filipe Menezes confirma

Afinal confirma-se a tese de que parti para a análise das “europeias”. A escolha de Paulo Rangel foi, de facto, inspirada. É esta a conclusão a retirar do sumo da entrevista de Filipe Menezes ao diário i.

Pelo alegado atraso na apresentação e escasso tempo de afirmação, mais que intuição de “animal” político, tratou-se de uma epifania redentora.

15 junho 2009

Grande Timoneira

A escolha ganhadora de Paulo Rangel continua a surpreender os mais requisitados comentadores.
Parece ser um caso que diz muito sobre as qualidades de liderança da primeira responsável do PSD. Depois de um certo Citroën ter ido rodar para a Figueira da Foz e de ter dado uma volta ao país, este volta a ficar atónito e a parte dele mais canhota repete a sobranceria de mau presságio.
Marques Mendes era candidato credenciado, mas a última escolha de uma liderança focada na missão de unir o partido. A sua escolha convocava tanto como desmobilizava. A escolha do homem de Gaia, descomprometido da facção oposicionista mais aguerrida daquelas terras da margem esquerda do Douro, teve o condão de silenciá-la.
Sem crítica audível e activa no espectro político social-democrata, foi mais fácil edificar, pacientemente, uma proposta e uma ideia de credibilidade.

Municipalização do Ensino

Já tardavam as notícias acerca da ingerência e manipulação nos processos de escolha dos directores de escola que a actual reforma da educação pariu.
Só quem não faz a mínima ideia acerca do nível e sofisticação da perversidade que contamina toda a acção política autárquica, majorada pelos efeitos da interioridade, é que não antecipava este desfecho com as bem intencionadas políticas de delegação de competências operada.
Que terão a dizer os adeptos da "regionalização" da educação, dos quais me ocorre destacar o senhor Director do "Público" e o seu colunista António Barreto?

Risco Sistémico

Se o malogrado voo AF 477 tivesse sido designado TP 477, o socorro aguardaria estudo de impacto de risco sistémico, cuja declaração dependeria do cardinal de baixas relevante para a contabilidade eleitoral; se este voluntarioso Governo se deparasse com a necessidade de uma reedição da operação “Mar Verde”, desesperaríamos sete meses pela decisão de não ingerência, doutamente fundamentada na ausência de risco sistémico detonador de novos descuidos, uma vez ponderada, com evidente dose de pesar, a desproporção de meios a empregar por prisioneiro resgatável.
Risco sistémico passou a ser considerado, não já a capacidade de contágio, efeito cascata que o descalabro provoca nos vizinhos de uma mesma indústria, com o cortejo de custos sociais, financeiros e económicos associados, mas o efeito colateral que a omissão do Estado não permite considerar negligenciável. Por defeito, o Poder, a sua conservação ou renovação dependem muito da ausência deliberada do Estado dos teatros do conflito, do temor da conotação tomada pela ingerência inevitável. Toda a energia e esperança se depositam na auto-regulação que todas as crises comportam em menor ou maior grau (lembram-se do bloqueio dos camionistas há um ano atrás e o caso Bela Vista de há dois meses?). Fingir que não vê nem ouve, até que o clamor das vítimas ameace propagar como rastilho consumidor da base de confiança sobre que assenta o contrato político, constitui a táctica distante e calculista cujo preço varia segundo uma escala de risco sistémico.
É com base no princípio corrigido de risco sistémico que se deve ver a divergente actuação do Estado nos conflitos simultâneos que eclodiram no BPN e no BPP. O descartar de responsabilidades, ao fim de meses de falso interesse ou de envolvimento enganadoramente empenhado, o abandonar desapiedado à sua sorte, a mais flagrante e chocante quebra de solidariedade para com as vítimas dos equívocos associados a esta última instituição dizem tudo acerca do carácter sádico, vingativo e perverso deste Estado distante, alheado do destino dos seus cidadãos, entidade capturada pelos interesses últimos dos seus titulares.
A vil traição à tradicional compaixão e elevada generosidade, tão enraízadas no tecido social – ainda por cima servida com requintes de hipocrisia de quem quer fazer crer que zela, prudencialmente, pelos interesses supremos do Contribuinte – não permitem equívocos relativamente às intenções e padrão ético, tão negativamente exemplares, destes servidores do povo.
Para cá do plano moral, o impacto destes meses de demagogia rasteira, empenhada na diabolização oportunista e falaciosa dos fins últimos do capitalismo, alegadamente desalmado e em colapso, gerará efeitos de rejeição que perdurarão muito para além da data de superação da actual crise e que muito afectarão a economia emergente, tão sôfrega que estará do mercado de capitais como plataforma, esquecida por agora, geradora de liquidez para alavancar o investimento.
Confundir investimento mobiliário com jogo de sorte e azar, mais que ignorância é manipulação de má-fé, cujos efeitos perversos irão além da responsabilidade destes imputáveis agitadores.
O mesquinho juízo de condenação do enriquecimento como, em geral, coisa pouco recomendável para gente virtuosa que valoriza a superioridade moral da vidinha sem ambição maior que a perna, operado pelos mesmos que, ainda há pouco, colaboravam em campanhas de promoção do empreendedorismo, fará tanto pela estimulação do nosso lado invejoso, atávico, passivo de velhos do Restelo, que é sem dificuldade que se vaticina um longo e sombrio futuro de redução ao fatalismo da pobreza crónica.

11 junho 2009

A Originalidade Portuguesa

Nas eleições caseiras do passado domingo, a extrema-esquerda conquistou um score obsceno, sem termo de comparação na Europa, de 23% dos votos. Continua a haver quem se surpreenda com tal divergência.

Tenho para mim que este movimento singular assenta, não numa especial marca de originalidade pela qual desejamos ser saudados, mas sim resultado do traço endémico do subdesenvolvimento a que continuamos condenados.

Se me garantirem que as apostas no Euromilhões continuam em alta, estará confirmada esta tese: quanto mais depressivo se mantiver o ambiente socioeconómico (e neste campo caminharemos, inexoravelmente, para a quebra sucessiva de recordes!), mais apostadores aparecerão disponíveis para arriscar todo o tipo de ilusões, um bálsamo fugaz para a alma.

10 junho 2009

Deveres Cívicos

O Senhor Presidente da República resolveu culpar os portugueses pela quebra dos deveres cívicos, de entre os quais destacou o de votar.

Descontando o lado paternalista da pedagogia ensaiada, trata-se de um desabafo que revela desconhecimento e desorientação perante a negligenciada maturidade cívica de que demos testemunho. Consumidores esclarecidos de bens políticos, exigentes avaliadores da acção dos agentes da governação, não compramos gato por lebre, Senhor Presidente. Quando ou se chegar o tempo da ‘boa moeda’, estaremos, naturalmente, mobilizados para responder às exigências desse tempo.

Se não constituísse uma incorrecção política para a qual não devo desafiar V/ Exa., convidava-o a acompanhar-me no exercício do aplauso perante a atitude da imensa maioria dos que não votaram e que o Senhor também representa. Em vez de desistência e resignação, revelou independência e controlo sobre a outorga de legitimação. Forçados a comparecer nas suas mesas de voto, contribuiriam, muito provavelmente, para a enganadora celebração dos ora derrotados. Quanto tempo perderíamos mais na busca da tal ‘moeda’?

Viva a inalienável, esclarecida e clarificadora liberdade cívica expressa no direito à abstenção!

Nós por cá

A moça dos finais de tarde da SIC, naquele seu jeito de amanhar a realidade para que caiba na forma ideológica a levar ao forno em lume brando, afoita-se em irrelevâncias e delírios gastro-informativos tão insípidos que as audiências só podem confirmar.

Ontem, de entrada serviu o microcaso que uma desleixada (ou interesseira?) investigação ao reino do imobiliário algarvio obrigou a amplificar. E quem é que a snob pivot haveria de convidar para manusear com competência tão insignificante pescado? Ninguém melhor que o velho Chef Otelo! Sim, esse ‘cozinheiro do ano’ dos idos de 74.

Evoluiu com surpreendentes desenvoltura e conhecimento de causa na lida do cozinhado imobiliário que se lhe apresentava. A perplexidade com que o ouvia exigir competência e seriedade a quem trabalha com a coisa pública depressa cedeu perante a súbita explicação que me assaltou e resolveu o enigma que representou a escolha, aparentemente tão disparatada, de tal convidado: naquele como em outros casos verdadeiramente relevantes do mundo tenebroso dos licenciamentos e construções, TNT q.b. é o ‘segredo’, sempre resolveu e haverá de resolver.