TRANSMONTAR

Dissertações sobre Trás-os-Montes, seu passado, presente e futuro. Idiossincrasia transmontana e visão do mundo a partir deste torrão.

28 março 2009

Crise e a Qualidade das Respostas

Há umas semanas atrás, num debate mensal na AR, o Governo vangloriava-se do sucesso das suas medidas de combate à crise, designadamente do esvaziamento veloz dos pacotes de apoio às PMEs e a justificar novas dotações. À medida do sucesso, patenteado pelo número de empresas beneficiadas - 13.000, há altura - replicava o PCP, arrefecendo entusiasmos, com a modéstia dos resultados se ponderado o universo total de empresas portuguesas: 1 milhão, pelo cálculo do INE, esclareceram os comunistas. Discordou o Primeiro-Ministro, corrigindo para 300.000 o conjunto dos empregadores nacionais, sem que, contudo, se mostrasse minimamente "tocado" pela indigência do resultado prático assim evidenciado.
Muito tempo passado, outras tantas iniciativas bem-intencionadas se seguiram e, pelo que nos diz Pacheco Pereira no Público de hoje, os sinais loquazes saídos de uma caminhada atenta pelas ruas da baixa lisboeta são mais expressivos e eloquentes acerca da profundidade da crise e da inconsequência dos tratamentos aplicados.
Os livros que se eternizam nas prateleiras das livrarias, o comércio tradicional carregando as suas dificuldades "por detrás daquelas vitrinas intemporais" e a diversa variedade da fauna mendiga, tudo concorre para insinuar a marcha inexorável da decadência.
Duas páginas antes, Teixeira da Mota, outro eleito para a minha galeria dos grandes portugueses, anuncia-nos a eminente entrada em vigor da nova reforma das custas judiciais. Mais caras e pagas à cabeça, muito antes do serviço prestado e da avaliação da sua qualidade intrínseca, encerrados na solução a achar para os casos, o objectivo último é dissuadir os cidadãos de clamar justiça.
As barreiras administrativas colocadas para filtrar os elegíveis para beneficiar das benesses do Estado, que não pode deixar de se mostrar generoso nos tempos que correm, apesar de se recusar a ver a realidade e a abandonar parcimónias deslocadas da gravidade do momento; a transformação artificial da justiça para todos num luxo exclusivista deixa ao Governo a ilusão de uma protecção que os factos negam e ao cidadão o abandono, a descrença e o estímulo à justiça que desce à rua, arena onde se decidirá toda a expressão particular de interesses conflituais entre portugueses uns com os outros e destes com o Estado, num ajuste de contas que se prevê sangrento.

27 março 2009

Cavalo de Tróia

Uma sondagem desta semana apresenta-nos como favoráveis à re-estatização de sectores estratégicos - saúde e banca.
À força de tanta intoxicação ideológica, atónitos perante a virulência da crise, rapidamente nos esquecemos das ineficiências do Serviço Nacional de Saúde, do seu astronómico deficit e da usa ardilosa gratuitidade. Logo perdemos a noção do grau de partidarização e manipulação da Caixa Geral de Depósitos, mais a negligente regulação do BdP. Irresponsavelmente desculpamos os colossais prejuízos acumulados pelo Estado-Empresário nas CPs e TAPs do nosso empobrecimento. Um Estado Forte, que imponha ordem e respeitinho vale isto e muito mais: uma suspensão mais ou menos temporária da democracia, a mordaça aplicada aos desalinhados media, uma permanente folha negra num relatório da Amnistia Internacional.
A quem confiar a nossa indignação? A fatia extrema do bolo esquerdelho rejubila e sonha com o novo Estado Novo, ora rosso; a moderada, por hoje titular do poder e sua traficância, tudo influência, manipula, inspira, controla e estiola, num movimento de expansão concêntrica e centrípeta de absorção ou esvaziamento de ideias, iniciativas e alternâncias. Da direita, frustrada e descrente, só chegam tentativas de imitação reactiva como esperança de sucesso longínquo e fortuito.
Os espíritos livres e insubmissos nada têm a esperar do actual espectro político e os tempos também não correm de feição para estratégias de ruptura. Resta-lhes procurar nas Escrituras um pré-anúncio de resgate e cultivar, com denodo, a paciência, até que apareça o Cavalo de Tróia que, fingindo aceitar as condicionantes de contexto sociopolítico, reoriente o crédito de legitimidade para subverter, em definitivo, a anacrónica ingerência paternalista de um Estado desmesurado e arrogante.

Pela Ditadura contra o Fascismo

Da boca do pediatra francês Aldo Naouri recebi uma explicação para a crise que assola o mundo.
Mais do que fundar no colapso do liberalismo económico, enquanto locomotiva que é da economia de mercado, seria bom que abandonássemos esta explicação de sentido único que o mainstream político esquerdista já impôs, em nome de uma arejada atitude de disponibilidade de análise de outras vias mais densas, mesmo que mais perturbadoras.
No Público do passado dia 25 proclama, do alto da sua longa experiência clínica, que os democratas de amanhã requerem uma educação ditatorial no presente; que o mesmo é dizer que a política progressista, que impera desde os idos de sessenta, de consagração da criança como centro de direitos, todos os direitos, só contribui para a edificação de uma sociedade de tiranos fascistas, egocêntricos, consumistas, gananciosos, predadores materialistas insaciáveis do curto prazo.
São os primeiros deles que, chegados ao poder na economia e na finança, imprimiram o ritmo avassalador em direcção ao abismo actual.

10 março 2009

PROJECTO DE PODER

Mais do que vender computadores “Magalhães” para a Venezuela e, com isso, equilibrar a Balança Comercial com o exterior; mais do que reforçar a nossa autonomia energética pela diversificação das fontes abastecedoras de gás natural, fazendo convergir para Portugal súbitos interesses comerciais, que a dimensão do mercado interno não justificam, da Gazprom de Putin (via Galp Energia ou Amorim ou ENI, sob mediação do oficiante de Nafarros) e da sua congénere sul-americana, a contrapartida almejada é, antes, a edificação do gasoduto ideológico por onde beberemos o know-how acumulado e testado, que inspire o complexo processo de implantação e consolidação de uma ditadura democrática ou qualquer que seja a designação a achar para a fraude ao poder representativo.
A quebra da coluna vertebral das corporações enquanto sedes informais de poder real: juízes, farmacêuticos, professores, advogados, médicos; a substituição sistemática das cúpulas organizacionais do tecido empresarial por comissários políticos de confiança e a sedução de outros reconvertidos a empresários do regime: bancos, obras públicas, telecomunicações; as nacionalizações que se fazem e as que deixam de se fazer, ambos os movimentos servidos por grosseiro argumentário técnico; a propaganda institucional regionalizada, em permanente itinerância e, em rede de manipulação de caciques locais, a pretexto de lançamentos ou inaugurações de efeito histriónico e a mais recente denúncia de uma tal “campanha negra” são ferramentas claramente extraídas de manuais bolivarianos e/ou kremelinescos, adaptadas à nossa realidade político-social.
Esta última técnica, visando alavancar uma campanha de vitimização, não está a correr como o desejado, mas terão sido pensadas alternativas que minimizam a surpresa. As repetidas tentativas de colagem, ainda que forçada, da oposição à autoria da denúncia “caluniosa” e exploração mediática do caso do “Porto Franco” – nome de código para designar algum offshore? – requeriam uma réplica precipitada e sôfrega por parte de uma oposição inexperiente. Saiu-lhes uma ilusoriamente alheada, matreira, paciente e calculista, apostada em não colaborar na criação de um clima de dramatização, propício à antecipação da agenda eleitoral como requisito necessário para quem desespera por furtar-se à preia-mar da crise económica e social que se advinha.
A surpreendente mudez de uma oposição por uma vez adulta e responsável, motivou a adopção de um “plano B”: - O poder deve ser exercido por quem obteve legitimação eleitoral e não por qualquer director de jornal com as suas campanhas, televisão mais as suas manipulações ou cobarde denunciador e as suas cartas anónimas, gritou o congressista acossado. Trazer para a arena política aqueles players mediáticos associados a alegados caluniadores num combate ilegítimo, antes adequado à tutela judiciária, não se reduz à forma de uma desajeitava investida. A denúncia da apodada “campanha negra” visa silenciar a imprensa independente, não colaboracionista e ”de sarjeta”, contra quem é convocada a censura popular. Já a ascensão ao palco da política visa manter viva a insinuada e nunca provada mácula da oposição, cujo silêncio se pretende que seja lido como maquinação no escuro, em conluio conspirativo com os media. Cabe a estes e àquela perseverar no cumprimento inalienável do papel escrutinador do nosso bom ambiente político-social e na abstinência em respeito pelo princípio da separação de poderes, respectivamente.
E é assim que, um a um, se vão abalando, de forma sistemática e calculada, os pilares da democracia representativa, bem como os seus valores mais caros como a liberdade individual, a livre iniciativa ou a alternância democrática, ao serviço de um projecto político fortemente personalizado e sem fiscalização independente e esclarecida.