TRANSMONTAR

Dissertações sobre Trás-os-Montes, seu passado, presente e futuro. Idiossincrasia transmontana e visão do mundo a partir deste torrão.

23 junho 2009

Martim, de Cascais ou de outras terras mais

As instituições portuguesas actuam de radar sempre assestado ao instável clamor da opinião pública.

Mais do que blindar-se para decidir de acordo com os princípios decantados pelo Direito, as instâncias jurisdicionais (e outras que, para o caso vertente e por ora, se poupam) não prescindem da antena que as liga à conjuntura e suas tendências.

O caso “Esmeralda/sargento” deixou, nos observadores descomprometidos, a ideia nítida do osciloscópio decisório em perpétuo movimento. Permitiu, igualmente, fixar a tendência conjuntural da prevalência dos laços de sangue na atribuição da guarda de menores. Esta inclinação deveria registar o nível de apoio ou tolerância social maioritários no observatório permanente respectivo, pelo que não espantou a opção, por este entendimento, tomada pelo Tribunal da Relação de Guimarães, no caso da menina repatriada para a Rússia.

Mais do que alterações substantivas bruscas que o Direito e sua lenta sedimentação não admitem, foram as circunstâncias externas, relativas à condição indigente da mãe biológica, que determinaram o fragor da cruzada condenatória que recaiu sobre a decisão. Por ajuste de contas e receio de reedição de escândalo público, adivinhava-se que a balança voltasse a pender para o lado do poderoso lobby do instituto da adopção.

Apanhado nesta contracurva da casuística dos interesses, o Martim, de Cascais, é oferecido em sacrifício. É o refluxo dos interesses federados do mercado da adopção, mascarado de cavaleiro andante dos supremos interesses da criança, em todo o esplendor da sua virulência que está para durar. Bastarda da quebra de fertilidade, a ganância adoptiva, no seu egoísmo e intolerância, renega o meritório papel supletivo de amortecedor de tensões sociais num contexto de natalidade para além dos recursos, para pairar, predadora, como ameaça latente sobre todas as famílias e suas vicissitudes.

Munidos da arma letal da avaliação das condições objectivas de garantia do ambiente ideal para o desenvolvimento harmonioso da criança, o poder de império do Estado salomónico decreta, inapelavelmente, o primado do desafogo material de que tem de se fazer prova. Lamenta-se que os meticulosos agentes desta Opressão Pública não se lembrem do seu próprio contexto social de infância, território poético onde a aludida objectividade implacável remeteria à adopção compulsiva, a favor de sociedade mais generosa em pedoconforto, a generalidade dos seus colegas de carteira, cúmplices de traquinices.

Ao comportamento abnegado e tenaz da Ana Leonardo só gostava de colocar duas questões. Uma, para medir a profundidade da dor moral infligida pela tirania com alvará; a outra, para apurar o grau de resistência do amor maternal, o único critério que me move e comove: que inventário te forçaram a reunir para convencer o Meritíssimo Juiz (a PlayStation releva?) e comover o voyeurismo da praça pública? Que motivações para a luta vais apresentar, no silêncio de um sombrio futuro, ao amado Martim, que Deus quis que gerasses em tempo impróprio?

Na antecipação das respostas, não duvido da conveniência da primeira nem da sinceridade da segunda.

1 Comentários:

Anonymous Anónimo disse...

Excelente e marcante texto.
Temos de fazer muito mais para mudar este Portugal que teima em não evoluir.

Abraço de outro transmontano,
SD

12:34 da manhã  

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