TRANSMONTAR

Dissertações sobre Trás-os-Montes, seu passado, presente e futuro. Idiossincrasia transmontana e visão do mundo a partir deste torrão.

05 março 2004

Estratégias subliminares

Estratégias subliminares

No sortilégio, rico de peripécias, em que se converteu o Processo de Reforma Administrativa em Curso (PRAC), cujo epílogo é de predição improvável, o Senhor Secretário de Estado Miguel Relvas associou-se às organizações empresariais de Vila Real e Bragança num crescente esforço de persuasão tendente a forçar a alteração da posição dos concelhos ribeirinhos do Douro empenhados na constituição da sua ComUrb.
Num debate em que participou, por estes dias, na NTV, com autarcas durienses, o governante voltou a glorificar os benefícios da sua criação e não se cansa de antecipar desdobramentos naturais (eleições directas para os órgãos das novas entidades, capacidade de cobrar impostos, estatuto de circunscrição eleitoral, tudo no prazo de cinco anos) do seu esforço legislativo, numa antecipação interpretativa meta-legal, como se a paternidade lhe conferisse os especiais privilégios constitucionais de que necessitaria para garantir tal evolução, em tais termos e nos prazos por si estabelecidos.
No circo insano em que ameaça transformar-se o sprint final desta pantomina, o membro do governo invoca virtualidades ficcionadas para garantir às novas confrarias dimensão, capacidade integradora, coerência e ambição estratégica, num exercício de quadratura do círculo traduzido na necessidade de não afrontar os municípios e, em simultâneo, tentar “ultrapassá-los”, numa confissão implícita de desconfiança insanável; os visados fingem que acatam o conselho, mas deslumbram-se, sem o confessar, com a possibilidade de, circunscrevendo a sua área de intervenção e de “combate” de acordo com o seu grau de representatividade e de influência, concretizar a sua ideia de poder. É a esta luz que se devem interpretar os silêncios dos representantes, locais e parlamentares, de transmontanos e alto durienses perante o desmoronamento da mítica unidade “nacional”; é por este prisma que melhor se compreende o verdadeiro alcance das declarações de um deputado, eleito pelo círculo de Vila Real, numa coluna de opinião que subscreve semanalmente no jornal “Lamego Hoje”:

“ A existência de mais de uma comunidade interurbana em Trás-os-Montes não é prejudicial. Um todo é mais forte se as partes forem mais fortes e, nas actuais condições é possível constituir uma comunidade Douro forte e coesa. Com dimensão para o próximo Quadro Comunitário. Capaz de se federar com outras comunidades se tal for necessário. Mas acima de tudo capaz de garantir, com equilíbrio e dimensão, aos portugueses do Douro melhores serviços que aqueles que actualmente o Estado oferece na região. Trabalhem os demais comunidades para que as suas partes sejam também fortes. Talvez assim se possa ter um Trás-os-Montes forte daqui a alguns anos. Um Trás-os-Montes com partes fortes, capazes de dar resposta efectiva aos desafios do futuro. ”



A subordinação a uma estratégia pessoal, responsável pela subscrição de uma posição surreal que faz depender do “separatismo” a pujança do desenvolvimento económico e social desta terra, nem sequer é temperada pela condição de docente universitário que acarreta especiais exigências de reflexão e bom-senso ao seu autor.


Enquanto toda a gente se “orienta”, resta ao desamparado povo empenhar desesperadas energias e ingénuo entusiasmo na salvação, in extremis, de difusas aspirações regionalistas unificadoras.