TRANSMONTAR

Dissertações sobre Trás-os-Montes, seu passado, presente e futuro. Idiossincrasia transmontana e visão do mundo a partir deste torrão.

08 fevereiro 2004

Quem foi a quem

Quem foi a quem?

O ex-director-geral da Polícia Judiciária Dr. Marques Vidal, que é juiz conselheiro jubilado, lançou um livro e, em simultâneo, acusações graves e propostas de superação da crise judiciária portuguesa.
Aquilo que parece ser um ajuste de contas com o anterior titular da Procuradoria-Geral da República (PGR), Dr. Cunha Rodrigues, assente no postulado da convivência triangular, provocada e perversa, entre a magistratura do Ministério Público (MP), a comunicação social e a opinião pública: o MP promovia “fugas cirúrgicas de informação para a comunicação social, gerando o julgamento prévio dos visados na praça pública”.
Outras das pechas apontadas ao período do consulado do Dr. Cunha Rodrigues, compreendido entre os anos 80 e 90 de século passado, foram as abundantes prescrições que agravaram, irremediavelmente, a “saúde” da justiça. Marques Vidal justifica-as com “a falta de ‘vocação e sensibilidade’ da maior parte dos magistrados do MP para a investigação criminal e os ‘monstros burocráticos de controlo’ criados pela PGR que, em sua opinião, são os Departamentos de Investigação e Acção Penal (DIAP)”.
Conta Marques Vidal que sugeriu ao procurador, como alternativa àqueles departamentos, que os magistrados do MP controlassem, a partir das instalações da Polícia Judiciária, a investigação. À sugestão respondeu o procurador com a recusa, “com uma ironia que me [Marques Vidal] deliciou, ripostando que eram os polícias que vinham aos magistrados e não estes que iam aos polícias...”. O procurador de inspiração florentina cultivava uma ironia subtil e penetrante!
Num tempo em que a Justiça não foi a Camarate, os polícias iam aos magistrados; o segredo de justiça era “enganado”, não se podendo afirmar que fossem os magistrados a violá-lo; alguns respeitáveis cidadãos foram desonrados, sem que pudessem acusar quem, inopinadamente, lhes foi à reputação; outros passaram incólumes este período decadente e dissoluto à custa de oportunas cumplicidades e prescrições que chegaram a tempo. Insondável ficou o mistério de saber se estes últimos foram aos magistrados (provar a sua inocência, bem entendido!). Parece seguro que não voltaram a Macau, nem à Jamba; chegou-lhes a hora da retirada dourada e, com ela, a respeitabilidade que a desmemória colectiva não atraiçoa. Temo que, daqui a dez ou vinte anos, um outro agente de topo do sistema judicial retirado venha revelar as causas de nova sobrevivência destes influentes personagens a um caso, que tanto prometia, por via das indiciárias conexões, mas que acabou ofuscado e desvalorizado na voragem alucinada da Justiça De Uma Causa Só.