TRANSMONTAR

Dissertações sobre Trás-os-Montes, seu passado, presente e futuro. Idiossincrasia transmontana e visão do mundo a partir deste torrão.

31 agosto 2003

Pedofilia

Pedofilia

Forçados, por imperativo consolidado do estado de direito, que teceu a espessa cortina da presunção da inocência e da dignidade moral e ética dos arguidos, a determo-nos na antecâmara do juízo até que a prova produza, ou não, o seu efeito, nada nos poderá prender, por agora, ao caso concreto.
Vedado que está o caminho ao julgamento e condenação sumários, nem por isso escasseiam motivos de reflexão. Quando os supostos agressores são padres ou antigos seminaristas, como acontece no caso recente do Centro Social e Paroquial de Vila Marim (Vila Real), assalta-me uma perturbadora pergunta: quantos deles foram, também, vítimas silentes e solitárias, num tempo despido de conceitos, novíssimos e prestigiantes para a actual ordem civilizacional, como o de emergência infantil e o da censura social, tantas vezes estridente, arrogante, apressada, manipulada e, por todos estes adjectivos, nem sempre justa, mas sempre necessária, útil, conformadora de uma consciência social defensora da dignidade da pessoa? Quantos destes indiciados foram objecto involuntário de uma pedagogia e uma moral de formatação pessoal que nunca acertou o passo doutrinário com a real e intemporal condição humana, na dimensão da sua sublime pulsão sexual umas vezes negada, outras reprimida, sempre desvalorizada e reduzida à sua condição animal? Quantos mais devastados e apavorados actores ocultos desta ignomínia, violentados por um sistema confessional, porventura bem intencionado, mas permeável e propício a desvios desta natureza, viverão, por aí, a angústia dilacerante que alterna entre a denúncia iminente que não se deseja e a exigência de um gesto purificador imposta pela consciência atormentada?
Receio, ainda, que, tal como no contexto americano, seja neste particular caldo de cultura que predominem as manifestações pedófilas, pelo que seria prudente e profilática uma vontade de diálogo, sem ressentimentos nem recriminações prévios, postos de lado eventuais obstáculos formais de natureza jurídico-canónica, entre Estado e Igreja, com o objectivo de atingir mútua cooperação na condução da acção social.
Já o problema de fundo, que parte da ideia simultaneamente pluridimensional e unitária da pessoa como fundamento de uma determinada construção do homem religioso, terá de aguardar longa caminhada de substituição de paradigmas marcados pela intransigência e fundamentalismo dos velhos dogmas.