TRANSMONTAR

Dissertações sobre Trás-os-Montes, seu passado, presente e futuro. Idiossincrasia transmontana e visão do mundo a partir deste torrão.

25 junho 2003

Desconcerto

Por alturas do III Congresso de Tras-os-Montes, escrevi a seguinte reflexão que pretendi que fosse lida em pleno conclave. De facto, embora inscrito em todos os espaços de intervençao do público, não tive a sorte de ser seleccionado, de acordo com os critérios de condução dos trabalhos.
Esta é mais uma dívida de gratidão para com esta ferramenta que me dá voz chamada weblog.

(Des)Concerto
Pedindo licença e condescendência aos conterrâneos transmontanos para o meu estilo alegórico e vicentino, vou aproveitar o momento para lhes apresentar a “TRÁS-os-MONTES, SA”, cujo Conselho de Administração, constituído por 39 personalidades, nos governa há 28 anos, tantos quantos conta já a última alteração estatutária.
Durante todo este tempo gozou de toda a liberdade de acção para implementar a sua estratégia, mas o resultado tem sido desastroso a avaliar pela quantidade de accionistas descontentes (consta que em número de duzentos e quarenta e tal mil desde a década de ‘60) que acabaram por vender as acções e partir deixando um coro de protestos. Aparentemente, grande parte das queixas elencadas há sessenta e um anos, em sede de assembleia geral de accionistas mantêm-se actuais: mantemo-nos isolados, subdesenvolvidos, reivindicativos, deprimidos e ressabiados, desorientados, inseguros e necessitados de tutor.
Esta gestão tem apresentado, como é de lei, balanços dos exercícios, mas nunca apresentou verdadeiramente contas, as reais, as que escapam ao conceito de contabilidade criativa, as auditadas por auditor externo independente (sugiro a Deloitte & Touche ou a PriceWaterhouse Coopers que ainda há dias fizeram trabalhos lá para os lados de Estarreja e V.N.Famalicão) e certificadas por um Revisor Oficial de Contas. Nunca disse, preto no branco, a quanto ascendem os milhares de milhões de que dispôs por força das nossas entradas iniciais e dos anualmente renovados suprimentos, bem como dos elevados montantes de capitais alheios que lhe têm fornecido uma colossal liquidez. E o que fez com ela para que todos calculemos o que poderia ter sido feito. É nossa convicção que a dispersão de investimentos pelas várias divisões autónomas não tem respeitado critérios de racionalidade económica, resultam em duplicações desnecessárias, não têm impacto regional, não têm sido reprodutivos e revelam incapacidade de definir uma estratégia global e de se concentrar num core business.
Tem sobrevivido pela inércia dos accionistas, que nunca receberam dividendos e que isolados não detêm suficiente capital e lhes escasseiam ideias mobilizadoras para constituir maioria de votos. Tem sobrevivido, apesar do balanço cronicamente negativo, porque nos relatórios de gestão expõem sempre a explicação chapa cinco: as políticas macro-económicas da responsabilidade do estado central resultam numa discriminação penalizadora das contas da “TRÁS-os-MONTES, SA”; esse estado central, nosso principal cliente, ou não paga os fornecimentos ou quando paga é tarde e a más horas, o que nos tem obrigado a suportar elevados juros, dizem. Cheira a desculpa de quem é incapaz da autocrítica ou não tem criatividade suficiente para sugerir outros paradigmas de organização mais eficientes.
Chegados aqui, restam-nos dois caminhos: a alienação da participação ou uma reestruturação organizacional, que seria a terceira a conhecer-se nos últimos 61 anos. Sou adepto da segunda hipótese, mas analisemos primeiro a venda. Teríamos, pelo menos, dois compradores potenciais. A alienação à “ESPANHA, SA” permitiria um aliciante encaixe, mas não seria visto com bons olhos pelo mercado por não ser condizente com a cultura que nos vem de antanho. A venda ao nosso cliente “PORTUGAL, SA” é uma hipótese que não recuso a priori, já pelo encontro de contas que permitiria, já porque me parecem difíceis de atingir os consensos necessários à implementação de um quadro, preferível, de substituição do Conselho de Administração. Permitiria um incremento da realização de projectos transversais de forma expedita em virtude de terem cessado as quezílias mesquinhas entre divisões rivais e especificidades locais atrofiadoras da acção, erguidas em bandeira pelos caudilhos.
A não ser viável a alienação da nossa posição, impõe-se a substituição do management e em alternativa ao actual board a contratação de um CEO, único responsável, com a sua equipa, perante os accionistas pela execução de uma estratégia CENTRALIZADORA que substituirá a anterior, que se caracterizava pela total autonomia desresponsabilizante das 39 divisões.
Trata-se, pois, de um movimento de reestruturação que visa um crescimento orgânico por força da potenciação das expectáveis sinergias e economias de escala. Este aumento de massa crítica não pode ser inócua e implicará o encerramento das divisões autónomas, a alienação de imobilizado com toda a sua carga afectiva e a colocação no mercado da força de trabalho excedentária, mas simultaneamente com o saneamento financeiro alcançará outra posição negocial no mercado, terá coerência estratégica global, custos de estrutura bem inferiores, músculo financeiro para se abalançar a projectos verdadeiramente estruturantes, pensamento de longo prazo, claro na definição de prioridades e do core business e fiel ao caminho traçado sem recuos ou zig-zags penalizantes. Trata-se, pois, de uma alteração radical de paradigma organizacional, que é o que não temos tido coragem para sistematizar radicalmente e levar à prática, sem tentativas conciliadoras de novos/velhos modelos concorrenciais.
Fornecerei, a pedido, grelha de leitura (dispensável, penso eu) e manual de instruções que o escasso tempo com que conto não permite que aclare agora.
Bem hajam pela atenção!